A Globo e o BV: fatos e mitos
Mariana Barbosa
Num movimento visto como alvejando a Rede Globo, o
Presidente Jair Bolsonaro encomendou um projeto de lei ao deputado Alexandre
Frota (PSL-SP) para acabar o chamado BV (a ‘ bonificação por volume’), uma
prática de incentivo comercial entre agências de publicidade e veículos de
comunicação.
“Isso tem que deixar de existir. Aprendi há pouco o que é
isso e fiquei surpreso e até mesmo assustado”, Bolsonaro disse no início da
semana.
Outro que ficou ‘surpreso’ foi o mercado publicitário.
Diretores de agências dizem que, para começo de conversa,
incentivos comerciais dos veículos, premiando as melhores agências, é mecanismo
de mercado, que o novo governo diz defender.
Proibir o BV seria uma interferência num mercado cujo
modelo de autorregulamentação é reconhecido por lei e elogiado no exterior.
Segundo o Presidente, a Rede Globo recebe metade da verba
publicitária estatal, embora seu share de audiência seja de apenas %. Ao falar
do assunto, Bolsonaro ecoa as críticas feitas pela Rede TV! E outras
concorrentes da Globo, que acreditam que a assimetria na divisão do bolo
publicitário, seja no setor público ou privado, resulta da política da Globo de
pagar BV ás agências, como se a emissora estivesse corrompendo o sistema.
O mercado diz que não me por ai.
Diretores e donos de agências notam que todas as
emissoras pagam BV – e algumas, em termos percentuais, pagam até mais que a
própria Globo. Em termos absolutos, segundo eles, o volume de bonificação pago
pela Globo (o maior entre todas as emissoras) reflete o alcance e a qualidade
de sua programação.
“A Johnson ou o Itaú colocam muito dinheiro na Globo por
que acham que funciona”, diz publicitário. “Essas empresas não rasgam
dinheiro”.
Ao mirar no BV, o governo estaria errando o alvo – e o
maior prejudicado não seria a Globo, mas as agências de publicidade, que sequer
decidem sozinhas a alocação de verbas do anunciante.
O planejamento de mídia de um cliente é respaldado por
ferramentas de simulação e pesquisas de audiência e é cada vez mais difícil
justificar uma compra de mídia sem base técnica.
Além disso, A Secom, a secretaria de comunicação da
Presidência da República, mantém registro de todas as negociações das agências
com os veículos que envolvem as campanhas do Governo.
“Nenhum plano de mídia é adquirido sem a expressa
aprovação por parte da equipe de marketing do cliente, que examina várias
opções e solicita alterações sempre em busca de eficiência técnica”, diz Mario
D’Andrea, presidente da Abap, a associação das agências. “Estamos abertos ao
diálogo como o novo governo e podemos explicar como é a atual regra de compra
de mídia no Brasil, desfazendo crenças e alguns mitos.”
O mercado funciona assim: toda agência ganha comissão de
% a % do valor do anuncio pago pelo cliente. Mas nem toda agência ganha BV. Pra
ganhar BV. Para ganhar BV, as agências têm que cumprir um plano de vendas, que
considera todo o espaço o que a agência comprou com um determinado veículo, somando
todos os seus clientes.
Segundo as agências, o BV está longe de ser um dinheiro
fácil. Por contrato, elas são obrigadas a investir em pesquisas de audiência,
que são usadas para fundamentar o planejamento de mídia. As agências também
atuam como fiadoras, honrando o pagamento aos veículos quando o anunciante
atrasa.
Dentre os maiores mercados de publicidade do mundo, o
Brasil é dos poucos países em que a TV aberta ainda mantém a liderança no share
das verbas de anunciantes.
Mundialmente, as plataformas digitais passaram a
televisão em 2017.
Para falar com as massas no Brasil, a Globo ainda é o
instrumento mais eficaz. Mas com ma TV aberta se mostrando incapaz de atrair os
millenials, parece apenas uma questão de tempo até a Globo e suas concorrentes
perderem sua relevância, que já está em declínio.
Quando isto acontecer, segundo os publicitários, nenhum
BV conseguirá segurar as verbas publicitárias. Por exemplo, a Editora Abril era
conhecida por pagar generosos BVs ás agências (só perdia para a Globo em volume),
mas não sobreviveu á disrupção digital.
Criado no Brasil em 1965, o BV nasceu por iniciativa de
dois executivos da Globo - José Bonifácio Sobrinho e Walter Clark – com a
intenção de moralizar e profissionalizar as relações dos veículos com o mercado.
Até então, era comum emissoras subornarem executivos de mídia das agências com
dinheiro e presentes.
Mas foi em 2010 que o BV ganhou segurança jurídica.
Na esteira do escândalo do mensalão, a Lei 12.232 foi
criada para dar mais transparência ás licitações e aos contratos de publicidade
do poder público. O texto tornou válidas para o setor público as práticas
comerciais que já eram usuais no setor privado desde 1965, como a comissão de
agência e o BV.
Para executivos do setor, se o Governo ‘criminalizar’ o
BV, além de não impactar na política de compra de mídia por parte do governo,
isto representaria uma interferência no setor privado, ou seja, no relacionamento
de agências com veículos.
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