Artigo, Hélio Beltrão, Folha - Nigel Farage e a disrupção na política (o caso da Inglaterra)


Sozinho, fundador do Ukip ameaça a dominância de conservadores e trabalhistas

É admirável a diferença que faz um líder persistente municiado com uma ideia cuja hora chegou! Nigel Farage, sozinho, transformou o panorama político do Reino Unido com a liderança da campanha pelobrexit e agora ameaça a histórica dominância dos partidos Conservador e Trabalhista.

Em 1990, o jovem trader de metais Nigel Farage estava em um pub londrino no instante em que Margaret Thatcher anunciou que o Reino Unido estabeleceria um câmbio fixo entre a libra esterlina e as principais moedas da Europa, o chamado Mecanismo Europeu de Taxas de Câmbio. Farage considerava que aprofundar o entrelaçamento político com a União Europeia por meio do câmbio seria ruim para os negócios e para a City de Londres.

Dois anos depois, em 1992, o Banco da Inglaterra foi forçado a abandonar o mecanismo e desvalorizar a libra após torrar mais de 30% das reservas internacionais. O gatilho ocorreu quando o Bundesbank reconheceu que a política inflacionista do Reino Unido era insustentável e George Soros aproveitou a deixa para montar sua vencedora posição: a aposta bilionária na desvalorização da libra.

A partir de então, Farage entrou no debate político ao fundar o Ukip, o Partido da Independência do Reino Unido, de ideologia liberal clássica e thatcherista e primordialmente dedicado a livrar o país do estado supranacional que suprime parte de sua soberania a partir de Bruxelas.

Por outras palavras, o Ukip buscava um status semelhante ao da Suíça, que mantém sua soberania política e pratica livre-comércio com a UE.

Desde 1999, Farage é membro do Parlamento Europeu, onde se tornou um dos oradores mais influentes enfurecendo seus colegas com discursos ácidos e críticos à UE e à crescente centralização política no nível supranacional.

Porém sua ascensão vertiginosa ocorreu a partir de seu essencial papel na vitória no referendo do brexit, em 2016, que deliberou pela saída do Reino Unido da UE. Muito poucos acreditavam que isso seria possível.

A primeira-ministra, Theresa May, comprometeu-se a proceder com o brexit, afirmando em diversas ocasiões que a saída sem um acordo seria uma alternativa superior a um mau acordo. No entanto, o melhor acordo obtido por May envolvia o risco de que se perpetuasse uma união aduaneira, a critério da UE, em efeito anulando-se o brexit. May fracassou em aprovar esse acordo no Parlamento e acaba de cair. Boris Johnson, liberal-conservador e entusiasta do brexit, lidera as pesquisas para primeiro-ministro, tendo como plataforma a implementação da saída, com ou sem acordo.

No entanto, a novela do brexit continua. Muitos querem anular o brexit, impor um segundo referendo ou convocar novas eleições gerais.

Como reação aos que desejam obstaculizar a saída, Farage se reinventou. Há meras seis semanas criou o Partido do brexit para disputar a eleição do Parlamento Europeu de domingo (26). Mais uma vez saiu vencedor: o Partido do brexit obteve 31% dos votos britânicos e se tornou o maior partido nacional no Parlamento Europeu, com 29 membros. Em contraste, o Partido Trabalhista obteve 14% dos votos, e o Partido Conservador de May, pífios 9%.

Nada está definido sobre o brexit. Mesmo após três anos, as possibilidades variam: uma eventual anulação, um novo referendo, uma alteração do acordo da May ou finalmente uma saída sem acordo nos termos da OMC.

A única certeza é a de que Farage continuará sendo o principal apóstolo da soberania do Reino Unido e a maior força disruptora da política britânica.

Helio Beltrão
Engenheiro com especialização em finanças e MBA na universidade Columbia, é presidente do instituto Mises Brasil.

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