É preciso esclarecer o que está em jogo na questão fiscal
no discurso do governo e possíveis saídas
Talvez seja útil esclarecer o que está em jogo quando o
governo fala em abismo fiscal.
O Orçamento da União é composto por receitas correntes,
decorrentes de impostos, contribuições e outras formas de arrecadação. O
governo pode se endividar, desde que ache quem queira emprestar-lhe.
Esses recursos financiam as despesas com os salários de servidores,
as aposentadorias e as políticas públicas, como segurança nacional, educação e
saúde, além dos investimentos em infraestrutura.
A boa gestão requer que as despesas recorrentes, aquelas
que ocorrem todos os anos, sejam financiadas por receitas correntes. Novas
dívidas devem ser contratadas apenas para pagar as despesas de capital, como
dívidas que vencem ou novos investimentos.
A razão é simples. Caso o governo comece a ser endividar
para pagar as despesas correntes, o risco é a dívida entrar em uma trajetória
explosiva e se tornar impagável. Algo como começar a tomar dinheiro emprestado
para pagar o aluguel.
Tudo bem se esse endividamento for consequência de
problemas transitórios. Mas se todo ano forem necessários novos empréstimos
para pagar as despesas do dia a dia, a dívida sai de controle.
Há uma opção, a inflação crescente, que reduz quanto o
governo efetivamente paga de salários, aposentadorias e demais despesas
públicas. Trata-se de uma opção perversa, no entanto, como sabem os mais velhos
que vivenciaram os anos 1980.
Por essa razão, nossa legislação, como em muitos outros
países, proíbe que o governo se endivide para pagar despesas correntes. Essa
previsão legal é conhecida como regra de ouro.
Pois bem, desde 2017 a Secretaria do Tesouro vem
alertando que as despesas obrigatórias crescem bem acima das receitas correntes
e que iria faltar dinheiro até para pagar a conta de luz.
A saída seria reduzir o crescimento dos gastos
obrigatórios, a começar pela reforma da Previdência. Aumentar a carga
tributária é medida de vida curta, pois as despesas obrigatórias crescem cerca
de 6% acima da inflação ao ano, bem mais do que cresce a renda do país, mesmo
quando tudo está bem.
O Orçamento para este ano já antecipava que a regra de
ouro seria violada e a opção seria o Congresso aprovar créditos suplementares
para pagar despesas básicas, como o Bolsa Família. O novo governo dormiu no
ponto e, agora, tenta correr atrás do prejuízo.
Alguns atribuem o problema à regra do teto que limita o
crescimento do gasto público. Não sabem do que falam.
A luz amarela foi acionada pela regra de ouro, que
sinaliza que estamos flertando com o desastre. Podemos trocar de sinaleiro e
ignorar o tsunami. Não parece ser a melhor opção.
Marcos Lisboa
Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica
do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia
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