Entre as duas décadas perdidas, a de 1980 e 2010, o
crescimento real do PIB per capita deve ficar, na média, em torno de 0,8%.
Nesse ritmo, estima-se que demorará 87 anos para dobrar a renda per capita real
dos brasileiros.| Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Se a década de 1980 é chamada de A Década Perdida, como
chamar os anos 2011-2020? Os problemas vão muito além do fato de, ao longo de
11 trimestres, entre 2014 e 2016, o PIB brasileiro ter caido 8,1%, segundo o
IBGE. A baixa atividade econômica e a lenta recuperação indicam que esta década
deve ser a pior dos últimos 120 anos da história brasileira. Estima-se que, ao
final do período, o Brasil terá crescido 0,9%. Nos anos 1980, a pior taxa de
crescimento registrada até então, o crescimento havia sido de 1,6%.
Segundo avaliação do banco norte-americano Goldman Sachs,
o país caminha para a segunda década perdida em 40 anos. Entre as duas décadas
perdidas, a de 1980 e 2010, o crescimento real do PIB per capita deve ficar, na
média, em torno de 0,8%. Nesse ritmo, estima-se que demorará 87 anos para
dobrar a renda per capita real dos brasileiros. Nesse sentido, na avaliação da
Gazeta do Povo, o Brasil terá, na verdade, perdido todas as últimas quatro
décadas.
Ao longo da campanha presidencial de 2014 e da posterior
defesa política do governo Dilma Rousseff, criou-se a narrativa de que o Brasil
estava crescendo pouco em virtude de uma crise internacional. Contudo, segundo
relatório do FMI, 183 dos 192 países analisados registraram crescimento
econômico superior ao brasileiro entre 2015 e 2016. Já de acordo com estudo do
economista da FGV Marcel Balassiano, mais de 90% dos países do mundo cresceram
mais do que o Brasil entre 2011 e 2018. Entre os 191 países deste levantamento,
174 países expandiram o PIB mais do que o Brasil.
Dessa forma, há evidências de que a grande recessão
brasileira foi causada por fatores integralmente internos. Enquanto o mundo
cresceu e se tornou mais rico, o Brasil patinou e ficou mais pobre. Entender o
porquê disso é essencial para não cometermos os mesmos erros. Segundo
especialistas, a atual situação reflete uma sucessão de erros de política
econômica e falta de reformas.
A Década “Perdilma”
A partir de 2011, o governo Dilma Rousseff apresentou um
conjunto de políticas que ficaram conhecidas como "Nova Matriz
Econômica". Tratavam-se de, segundo Fernando de Holanda Barbosa Filho,
economista da Fundação Getúlio Vargas, “políticas de forte intervenção
governamental na economia, que combinaram política monetária com redução da
taxa de juros e política fiscal com dirigismo no investimento, elevação de
gastos, concessões de subsídios e intervenção em preços”.
O governo Dilma abandonou a política de superávits
primários (economias que o governo faz gastando menos do que arrecada em impostos).
Gradativamente, a União passou a gastar mais, até que, em 2014, o país fechou o
ano com déficit primário, que se tornou cada vez maior, impulsionado pelas
despesas previdenciárias. 2018 foi o quinto ano seguido com as contas no
vermelho, com a crise fiscal atingindo o patamar de R$120 bilhões. Waldery
Rodrigues, atual secretário especial de Fazenda, admite que deve haver déficit
pelo menos até 2022.
O governo Rousseff passou a interferir no Banco Central,
reduzindo as taxas de juros de forma arbitrária. Como consequência, durante
todo o mandato de Dilma a inflação esteve acima da meta e em trajetória
ascendente. Para evitar que isso atrapalhasse suas chances de reeleição, a
partir de 2013 o governo passou a regular artificialmente os preços da eletricidade,
do gás e da gasolina. O represamento agravou o problema, resultando em uma
inflação de 2 dígitos, a primeira desde 2002.
Além disso, os superávits primários foram abandonados,
com o governo passando a gastar mais do que arrecadava, deteriorando a situação
fiscal. Com isso, a dívida pública, que estava na ordem de 50% do PIB, passou a
crescer rapidamente, e pode chegar a 80% em 2020, segundo proposta orçamentária
enviada pelo Palácio do Planalto ao Congresso no ano passado.
Ainda em 2015, agências de classificação de risco
rebaixaram a nota de crédito da dívida brasileira, isto é, passaram a avaliar
que havia maior risco de o país não cumprir com suas obrigações financeiras.
Assim, houve perda do grau de investimento, o que fez com que diversos fundos
de investimentos retirassem dinheiro do Brasil. Entre os resultados, houve
desvalorização do real, escalada inflacionária e juros maiores, minando ainda
mais o desenvolvimento econômico e aumentando os níveis de desemprego, que
atingiu a máxima histórica, afetando 14 milhões de brasileiros.
Na avaliação do mestre em economia pela Barcelona GSE e
fundador do Terraço Econômico Leonardo Siqueira, a equipe econômica do governo
Rousseff “merece um Prêmio Nobel em economia por ter conseguido piorar todas as
variáveis macroeconômicas ao mesmo tempo”: “A inflação disparou dos 4% para
10%, a taxa de juros voltou a subir pros 14%, o desemprego atingiu 13% (antes
6%) e o PIB teve a maior queda da história em 2 anos, retrocedendo mais de 7%
nesse biênio. [Essa situação] é extremamente difícil [de se conseguir]”,
critica.
A opinião é endossada pelo mestre em economia pela
FEA/USP Guilherme Tinoco. “Foi uma sucessão de erros: tentaram estimular a
economia quando ela estava próxima ao pleno emprego, desorganizaram setores
(como o elétrico), fizeram as desonerações sem critério, colocaram recursos
muito além da conta nos bancos públicos, interferiram em preços, ajudaram a
desorganizar as finanças estaduais quando flexibilizaram todo um arcabouço
institucional que funcionava mais ou menos bem… É até difícil lembrar de cabeça
todos os erros”.
Siqueira lembra a política de campeões nacionais do
BNDES, que teve como mentor Luciano Cláudio Coutinho, presidente da instituição
entre 2007 e 2016:
“Durante a gestão dele foi desembolsado R$ 1,2 trilhão em
créditos pelo BNDES. Houve corrupção e um foco excessivo nas políticas
macroeconômicas de juros baixos e crédito subsidiado. Enquanto isso, as
reformas microeconômicas foram deixadas de lado. Essas, sim, importante para
aumentar a produtividade. O resultado é que, enquanto ficou mais difícil
empreender no Brasil (veja a queda no ranking de facilidade de se fazer
negócios), os fundamentos macroeconômicos apenas pioraram.”
Com todas as digitais da culpa apontadas para quem ocupou
o Palácio do Planalto, há quem chame o período de “Década Perdilma”.
A próxima década também pode ser perdida
Sem um ajuste fiscal que reequilibre as contas da União,
além de reformas estruturais na economia, a próxima década também pode ser
perdida, segundo o Goldman Sachs. A opinião é endossada pelos economistas
ouvidos pela Gazeta do Povo.
Siqueira alerta que, entre 2000 e 2016, o país cresceu
2,3%, em média. Contudo, 1,7% do índice se deu em virtude de crescimento da mão
de obra — a população ocupada cresceu — e apenas 0,6% do crescimento de
produtividade. É o que economistas chamam de “crescimento fácil”. “Dado um
declínio na taxa de natalidade do país, a expectativa é que a população ocupada
cresça apenas 0,7% na próxima década. Ou seja, se quisermos crescer 3% ou 4%
nos próximos 10 anos, teremos de tomar medidas que aumentem a produtividade”,
salienta.
Já Tinoco lembra da importância de reformar a previdência
em busca de maior equilíbrio fiscal para não sermos “meros pagadores de
aposentadorias”. “A dívida é crescente, bem acima dos outros países emergentes,
e as perspectivas são preocupantes. O teto de gasto [Emenda Constitucional
95/2017] foi de fato uma medida importante, mas ele só se sustenta com a
reforma da previdência. A previdência representa cerca de metade do gasto
primário do governo federal. A reforma também corrige injustiças. O Brasil
gasta com previdência um montante bem acima do que outros países, mesmo países
com a população mais envelhecida”, opina.
Siqueira explica a relação entre excesso de gastos com
previdência e baixo crescimento econômico. “Se o país está gastando uma grande
parcela do PIB com aposentadoria, isso significa que, para fechar a conta, ele
tem que elevar os impostos. Além desses gastos em previdência terem zero
impacto em produtividade – aquilo que de fato faz o país crescer –, a carga
tributária alta tem diversos efeitos nocivos sobre as famílias, como mostram as
evidências. O governo acaba por gastar menos em educação, saúde e segurança,
sendo o primeiro (educação) o principal problema, já que há externalidades
positivas na educação. Ou seja, investir em educação afeta toda a economia de
maneira produtiva, na medida em que temos trabalhadores mais qualificados.
Gastar apenas com aposentadoria de servidor público, militar, juiz, etc. não é
um gasto inteligente”, aponta.
Tinoco endossa, afirmando que “sem reforma, o Estado
brasileiro vai quebrar e o resultado será um ambiente econômico caótico,
possivelmente com inflação elevada, alta de impostos e risco de calote.”
Há ainda influência da carga tributária alta com
endividamento alto, perda de grau de investimento e custos maiores para se
financiar, como informa Siqueira: “A inflação tende a permanecer a níveis mais
elevados, os investidores relutam em trazer o capital pra cá e isso acaba por
gerar menos empregos e deixar a economia muito menos dinâmica. A reforma da
previdência é apenas condição necessária para maior crescimento, não é o
suficiente. O que vai gerar crescimento são reformas que impactam a
produtividade, entre elas, as reformas microeconômicas”.
Além da previdência, ele também argumenta em favor de o
governo focar nas reformas microeconômica aumentarão a produtividade.
“Deixar o país menos atrapalhado tributariamente é um
exemplo. Enquanto gastamos 1.958 horas por ano apenas para saber quais impostos
pagar, não há juros baixos que deixe a indústria competitiva. Enquanto formos o
país dos alvarás, onde, para abrir uma sapataria, leva-se em média mais de 60
dias, não há como aumentarmos a produtividade. Enquanto um credor não puder
recuperar parte do seu crédito em caso de calote, não vamos melhorar o setor de
crédito, por maior que seja a baixa na taxa de juros”.
Portanto, tão importante quanto a meta de inflação e o
ajuste fiscal que recolocarão o país nos trilhos é focar no ambiente de
negócios que vai aumentar a produtividade e aumentar o PIB potencial.
Entretanto, enquanto a previdência não for aprovada, outras reformas não devem
andar. Tinoco lembra que a reforma tributária proposta por Bernard Appy pode
trazer ganhos em produtividade, mas ela deve ser pauta secundária enquanto as
atenções do Congresso Nacional se voltam para a previdência."
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