“O que derruba Governo é a economia,” diz Roberto Jefferson


E alerta: “Não existe governo de passeata”

Geraldo Samor, Brazil Journal

Roberto Jefferson já foi vidraça e já foi pedra – mas, não importa a conjuntura, continua sendo uma das mentes mais afiadas e um dos observadores mais refinados da política brasileira.
Há décadas no comando do PTB, começou a ganhar notoriedade no início da década de 90, quando esteve entre os líderes do Congresso que se opuseram ao impeachment de Fernando Collor.
Deputado teve seu nome envolvido na CPI do Orçamento, mas isso não o impediu de mais tarde ser o fiador político das bases dos governos FHC e Lula.
Sempre foi um dos primeiros nomes nas listas de fontes dos jornalistas de Brasília.
Ganhou as manchetes como pivô do mensalão: ao ver seu partido envolvido no caso dos Correios, Jefferson denunciou o esquema de compra de votos no Congresso, ferindo de morte o Governo Lula e derrubando o então homem-forte do Planalto, José Dirceu,
Na época, disse ao então ministro da Casa Civil a frase que ficou famosa: “Vossa Excelência desperta em mim os instintos mais primitivos.” Dirceu foi cassado; Jefferson também – mas por quebra de décor parlamentar, pois denunciou o mensalão sem apresentar provas...
Condenado pela Justiça na esteira do mensalão, Jefferson ficou mais de um ano preso e pagou o que devia à sociedade. Sua capacidade de ler o cenário permanece incólume.
O Brasil Journal falou com ele ontem à tarde.
O mundo corporativo e o mercado financeiro sabem que a reforma da Previdência é vital par a solvência do País. O próprio Presidente, que tem um histórico refratário à reforma, parece finalmente ter embarcado no projeto. E o Congresso? Onde o senhor sente que o Congresso está nesse tema?
O Congresso está embarcado no tema da Previdência e faz a reforma mesmo que o governo não lidere, porque tem convicção de que ela é fundamental para o País. Hoje, o presidente do Senado, Senador Alcolumbre, e o Presidente da Câmara, Rodrigo Maia, lideram independentemente do governo a reforma previdenciária no Congresso Nacional, e ela vai acontecer porque os partidos sabem que não podemos conviver com esse déficit anual de R$ 300 bilhões no Orçamento da Previdência Social.
Na última semana, depois da mensagem que o Presidente compartilhou falando do poder das corporações, que supostamente o impedem de governar, o eixo do Poder parece que se deslocou bastante do Executivo para o Legislativo. É isso que você está dizendo?
Esse enfrentamento... Esses coletivos que funcionam em volta do presidente Bolsonaro, dos seus filhos e do PSL...são coletivos de destruição de imagem. Há um coletivo para destruir pessoas, e esses coletivos é que têm tensionada a relação do Governo com o Congresso Nacional. E não é contra a oposição. Esses coletivos estão atacando a personalidade de pessoas que têm as mesmas convicções ideológicas do Governo e do Rodrigo Maia... que são pessoas liberais por excelência e que desejam abrir a economia porque sabem que a capacidade de investimento do Estado cessou. Mas você só abre a economia se saltar o primeiro obstáculo, que é a Reforma da Previdência.
O senhor acha que o Presidente vai se libertar desses coletivos ou vamos ter que passar anos nessa dinâmica?
O mercado hoje sustenta o presidente da República. É a relação do mercado com a mídia que sustenta o presidente. E o homem que amarra isso é o Ministro Paulo Guedes.
Se o mercado continuar ao sabor de humores de Twitter – num dia tem tuite e sobe o dólar, no outro dia tem que derruba a Bolsa – o mercado não vai resistir.
[Bolsonaro] vai ter que se acomodar. Não dá para levar o Brasil pelo Twitter, isso vai levar uma crise. Porque ele [Bolsonaro] não entregou nada até agora. Ele tem que entregar para poder ter estrutura de governo e uma base mínima, um colchão mínimo social, para poder suportá-lo nessa dificuldade que é governar.
No mundo todo, a ascensão desses governos populistas está acontecendo em cima do descrédito da política convencional. As pessoas querem o ‘novo’ e o governo atual foi eleito com essa narrativa de ‘nova política’. Mas na hora de governar essa ‘nova política’ bate de frente com a forma como o Congresso funciona. Onde o senhor acha que esse movimento vai dar?
Esse movimento é o movimento da velha imprensa, que ainda deseja sobreviver disputando o espaço de opinião com a classe política e com o Congresso Nacional. A velha imprensa é companheira da velha política e ela está sentindo que está chegando ao limite. Ela é que aposta sempre na destruição da reputação da classe política. A velha imprensa fica sempre tentando fazer dos políticos a Geni. Segundo a velha imprensa, o erro está na classe política...
Isso está chegando ao final porque a velha imprensa está acabando e é a nova imprensa que vem aí, que é a mídia social, não é mais a imprensa do jornal impresso. “Esse negócio de “novo”, “novo”,” novo ““... o mundo nãopode viver sem raízes. Não me possível que o mundo resista a abrir mão de sua história e abrir mão das suas raízes. Penso que nós vamos chegar a um ponto de equilíbrio.
Um novo equilíbrio em que a ‘nova política’ encontra essas raízes?
Claro, é a negociação que existe em todos os países do mundo, até entre oposição e governo, senão você não consegue um consenso mínimo para governar. Se vivermos esse maniqueísmo de “nós contra eles”, o mundo vai viver convulsionado e a gente vai viver uma situação dramática já, já. Não pode ser assim.
O senhor acha que essa dificuldade de lidar com o Congresso que o Governo tem demonstrado pode de alguma forma ameaçar a continuidade do próprio Governo?
Não, não... O governo é neófito, tem líderes neófitos que falam coisas que não deviam falar, tornam públicas coisas que não deviam tornar. Eles deveriam fazer o exercício da serenidade, da agregação, do bom senso.
Esse negócio de você ser campeão de Twitter e destruir pessoas, mas destruir [também] sua liderança está chegando ao limite. É uma coisa tola que eu estou assistindo no Congresso Nacional por parte de alguns líderes. Isso vai passar e o Congresso tem noção do seu papel. Isso vai passar e o Governo vai acabar se acomodando sem ser ‘impichado’ e sem ser ameaçado pelo Congresso.
E que avaliação o senhor faz do papel dos militares no governo?
Fortíssimo. Você veja: hoje, o investimento militar que é fundamentalmente em infraestrutura e eles sabe que para integrar o Brasil eles precisam integrar o Norte e o Nordeste ao Brasil. Esse projeto do nióbio, de explorar o grafeno, o gás na Amazônia, o gás de Roraima, petróleo... Essas ferrovias, Centro-Oeste, Norte-Sul, acabar com o monopólio de gás..Tudo isso é infraestrutura e os militares conhecem profundamente infraestrutura.
Aposto que o Brasil vai dar um salto na infraestrutura se abrindo ao mundo. E os militares sabem que você só pode financiar infraestrutura com dinheiro vindo de fora, porque a capacidade do Estado de investir acabou. Nós precisamos de equilíbrio, precisamos ajustar as contas para ter a confiança do mercado e podermos crescer.
Achei que o senhor ia falar do papel dos militares como estabilizadores políticos, mas você está falando como estrategistas econômicos...
Geopolíticos! E, do outro lado, eles estão ali aconselhando o Presidente Bolsonaro a ter serenidade, a ter tranquilidade, a não partir para enfrentamento, não incentivar passeata...
Não existe governo de passeata. Uma passeata contra o Supremo e o Congresso? Isso não tem cabimento! Isso abre feridas muito difíceis de cicatrizar depois.
O que as pessoas com quem você conversa na sua base eleitoral estão dizendo hoje sobre a economia? Qual o sentimento na rua?
O sentimento é um pouco de frustração, porque – é óbvio – o desemprego aumentou, os negócios estão paralisados, e quando contingencia o Orçamento, o Estado diminui sua capacidade de incentivar a economia. O país está parando. ESTAMOS VIVENDO UMA ESTAGNAÇÃO GRANDE. Não tem dinheiro para nada. Ativos financeiros não valem nada...
Hoje, você vai aplicar num ativo para ganhar dentro de 18, 20 anos? Não. Um imóvel você não consegue vender, não tem liquidez de mercado... Está muito ruim. Em termos de economia, a expectativa é a pior possível.
O senhor tem medo de que se a economia não reagir a gente pode ter algum tipo de tensão social?
Ah, vai ter... Se a economia ficar estagnada, nós vamos ter tensões sociais. Isso é inevitável. Inevitável. Inevitável...
Ainda na economia, a Previdência é a pauta mínima que o País precisa. Ainda tem reforma tributária, reforma do Estado...
Sim, mas a reforma tributária não é só vontade do Presidente. É vontade dos prefeitos, dos governadores, é uma reforma que, como está acontecendo agora, anda sozinha no Congresso Nacional.
O senhor acha que o conjunto do Congresso tem uma noção perfeita da gravidade da situação do País?
Tem. O Congresso sabe do seu papel e sabe das suas responsabilidades. E tem líderes no Congresso capazes de avalizar o compromisso do Congresso com a nação brasileira.
Quando a gente olha de fora, tem-se a impressão de que o deputado só quer votar se liberarem a emenda – até porque se não fizer isso, o cara também é cobrado na base e não se reelege... Tem essa dialética.
Tem que ter, e é legítimo que tenha. Mas antes tem a missão nacional e todo mundo sabe dela. E tenha certeza, nessa queda de braço, que o Congresso vai saber cumprir o seu papel.
O Governo tem uma pauta de costumes e uma pauta econômica. O senhor acha que o foco na primeira pode prejudicar a segunda?
Não deve entrar com a pauta de costumes agora, não. Aguarda um pouco, faz a pauta econômica! Você veja: ontem a divisão se deu na pauta de costumes, na organização do Ministério da Justiça botar o Coaf, que era ligado à Fazenda, e sob o controle da polícia.
Foi o que deu problema ontem. Segura a pauta de costumes e vamos tocar a economia.
O que derruba governo é a economia, o que faz governo se reeleger e ganhar eleição é a economia.
Que recomendação o senhor daria ao Presidente?
Para ter cautela e tratar com cordialidade o Congresso Nacional, que não custa nada. Ele é aliado do Congresso Nacional e se conseguir aliados poderosos no Congresso, uma base estável, ele vai fazer um grande governo. Não adianta querer pegar mosca com vinagre e nem querer tratar seus aliados de identidade ideológica a pontapé. Isso não leva a lugar nenhum.
Hoje, 23 de maio, você está otimista ou pessimista com o Brasil?
Estou otimista. As reformas começaram a andar, o Congresso já votou a PEC 870 e vai votar as outras PECs e vai votar a Previdência antes do recesso de julho. O primeiro turno vai ser votado antes do recesso.

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