Dois fatores adicionam tranquilidade. A opinião pública
considera vital a reforma da previdência, e também por isso absorve melhor o
que em outra circunstância seria tratado como escândalo de “fisiologismo”. E a
maioria esmagadora do Congresso desde sempre orienta-se à direita do centro.
Para ela, votar a favor neste caso tem custo político-social aceitável. Uma
reforma da previdência custa muito menos para Bolsonaro do que seria para
Fernando Haddad.
O governo tem estabilidade porque é um ornitorrinco,
aquele animal meio ave e meio mamífero. Controla a base radical com a agenda
conservadora nos costumes, a agressividade verbal contra os demais poderes e a
exploração da grife Sérgio Moro, o algoz judicial do petismo. E com a retórica
antiglobalista. E encanta a direita autonomeada “civilizada”, com a adesão
prática ao liberal-globalismo na política econômica, o alinhamento aos Estados
Unidos e o acordo Mercosul-UE.
Se PSDB e PT, este nos primórdios, propuseram encerrar a
Era (Getúlio) Vargas, o bolsonarismo parece pretender pôr fim a Era (Ernesto)
Geisel. Por razões econômicas mas também político-ideológicas. Une o supostamente
útil ao certamente agradável. Os economistas prometeram a Bolsonaro que
desmontar o Estado vai alavancar o crescimento econômico e portanto produzir
empregos. E menos Estado, para o bolsonarismo, é também menos base objetiva
para um renascimento socialista.
Geisel era nacionalista, industrialista e, em algum grau,
terceiro-mundista. Não podia ser acusado de simpatias à esquerda. Uma
prioridade dele foi a eliminação, inclusive física, das cúpulas comunistas,
operação executada entre 1974 e 1976. Mas era um governo que enxergava para o
Brasil um papel não caudatário, e tomou providências nesse sentido. Uma parte
da oposição democrática a ele, inclusive, centrava a crítica na “denúncia"
do "sonho de um Brasil-potência".
É exatamente a turma que depois chegou ao poder se
propondo a encerrar a Era Vargas. Ligue os pontos. É divertido.
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