O dever coletivo do STF

 Têm sido cada vez mais frequentes as críticas à atuação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), na relatoria dos inquéritos abertos para investigar as ameaças contra a Corte e as instituições democráticas. Os questionamentos apontam, nas decisões do ministro, erros e incompreensões sobre o Direito e sobre as próprias circunstâncias vividas no País – afinal, se ao longo do governo de Jair Bolsonaro a democracia pareceu estar sob risco, o que poderia justificar medidas excepcionais, hoje não há ameaças que fundamentem decisões desse tipo.


No entanto, uma crítica que focalizasse exclusivamente na pessoa de Alexandre de Moraes seria injusta. Verdade seja dita, até agora a 1.ª Turma e o próprio Plenário do STF têm confirmado suas decisões. Ou seja, os órgãos colegiados do Supremo têm manifestado um apoio irrestrito ao ministro. Nas circunstâncias concretas da campanha eleitoral do ano passado, essa atitude de ratificação generalizada foi importante, mas agora pode gerar o efeito contrário, com o enfraquecimento da autoridade do STF e da própria defesa do regime democrático.


O Supremo não pode ignorar que, agora, a realidade é inteiramente diferente. Para começar, não estamos mais em ano eleitoral, e, portanto, a legislação específica para o período de campanha, que serviu para fundamentar muitas intervenções do Judiciário, sobretudo nas redes sociais, só fazia sentido no contexto eleitoral, pois era preciso proteger a igualdade de condições entre os candidatos. Agora, o cenário factual e normativo é outro.


Medida especialmente desproporcional de Alexandre de Moraes, por exemplo, foi o recente bloqueio, decretado de ofício, de todas as redes sociais de um podcaster, como resposta a manifestações críticas à Justiça Eleitoral e ao próprio Moraes. Além do equívoco em si – no Estado Democrático de Direito um juiz não tem a atribuição de moderador do debate público –, a decisão é mal fundamentada, com presunções que fazem lembrar abusos típicos de regimes autoritários (ver editorial Não se defende a democracia com censura, de 17/6/2023).


Também suscitou grande preocupação a decisão de Alexandre de Moraes estabelecendo o que o Google e outras empresas poderiam dizer sobre o projeto de lei relativo à regulação das redes sociais. Neste espaço, advertimos que a medida se baseava em uma “profunda incompreensão do papel do Judiciário no Estado Democrático de Direito” (ver editorial O sr. Moraes não é juiz do debate público, de 4/0/2023).


Até aqui, a resposta a quem acusava o ministro Alexandre de Moraes de impor uma suposta ditadura judicial no País foi lembrar a vigência do duplo grau de jurisdição. Ou seja, todas as decisões do ministro estiveram e estão sujeitas à revisão do colegiado do STF, seja pela 1.ª Turma, seja pelo Plenário. O poder de Alexandre de Moraes nunca foi ilimitado. Sempre esteve sob a supervisão da Corte. É assim que funciona no Estado Democrático de Direito.


Agora, recordando a plena vigência da garantia do duplo grau de jurisdição, é preciso afirmar a responsabilidade dos outros ministros do STF pelo controle da atuação do relator dos inquéritos das ameaças à Corte e dos atos antidemocráticos. O Supremo não pode fechar os olhos ao que vem ocorrendo. Da mesma forma que a diligência de Alexandre de Moraes foi fundamental, no ano passado, para a proteção do regime democrático, é essencial que a Corte seja diligente em sua tarefa de controle da legalidade e constitucionalidade das decisões monocráticas. Não se defende a democracia com atropelos judiciais nem com decisões judiciais mal fundamentadas. A proteção da democracia passa por um constante e irrevogável compromisso com a Constituição.


Parte importante da tarefa de controle que compete agora ao STF consiste em assegurar o fim dos inquéritos abertos, com a conclusão das investigações e a revisão das medidas judiciais neles proferidas. Trata-se de passo importante para a normalidade democrática, que demanda efetivo respeito à legalidade e às garantias e liberdades individuais. É hora de o Supremo agir.

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