Artigo, J.R. Guzzo, Gazeta do Povo - A infâmia das prisões políticas

Não há hoje no Brasil um escândalo que possa se comparar, em matéria de sordidez, de perversidade e de pura e simples violação maciça da lei, com o campo de concentração montado há seis meses em Brasília pelo ministro Alexandre de Moraes e seus colegas do STF. É a pior, mais extensa e mais prolongada agressão à Constituição Federal, ao Código Penal, às leis processuais e aos direitos essenciais do cidadão que jamais foi cometida na história do Brasil – nenhuma tirania, militar ou civil, durante a Colônia ou a República, cometeu uma infâmia tão maligna quanto a que está sendo cometida com as prisões políticas em massa feitas no dia 8 de janeiro, ou mesmo depois, pelo Poder Judiciário.


São, sim, prisões políticas, apesar do vasto esforço feito para escondê-las como atos de “defesa da democracia”. É simples: se as prisões só são mantidas porque os carcereiros usam a força armada para violar de maneira sistemática as leis em vigor no país, então elas são políticas. As pessoas não estão presas porque a autoridade pública conseguiu provar que cometeram crimes. Estão presas porque o regime, tal como ele é hoje, quer que fiquem presas. São inimigos políticos; têm de ser castigados. É assim que se faz nas ditaduras. É assim que se faz no Brasil de hoje.


Lá fora denunciam, com horror, a “destruição da Amazônia pelo agronegócio” e outros delitos imaginários. Sobre as prisões políticas em massa, não se diz uma palavra.



Esse escândalo gera um outro escândalo – o silêncio, pusilânime ou cúmplice, com que está sendo ocultado no mundo e no Brasil. Lá fora denunciam, com horror, a “destruição da Amazônia pelo agronegócio” e outros delitos imaginários. Sobre as prisões políticas em massa, não se diz uma palavra. Aqui dentro é pior. Salvo a Gazeta do Povo, que cobre os fatos com profissionalismo, respeito à técnica jornalística e destemor, e mais algumas poucas exceções, a imprensa brasileira não diz nada, ou praticamente nada, sobre os horrores da Papuda. É como querer encontrar, no Pravda da Rússia soviética, notícias sobre os campos de concentração para presos políticos.


Mais: a mídia não apenas esconde os fatos do público, mas quando diz alguma coisa a respeito é para ficar a favor dos atos de repressão. É um momento único na história da imprensa brasileira – os jornalistas são hoje os defensores mais indignados da perseguição política e da violação às leis pelas polícias do STF. O mundo político também se cala; está fixado nas suas emendas do orçamento, e outros interesses do mesmo tipo.


As pessoas não estão presas porque a autoridade pública conseguiu provar que cometeram crimes. Estão presas porque o regime, tal como ele é hoje, quer que fiquem presas.


Pior de todos é a Ordem dos Advogados do Brasil, que tem o dever mínimo de dar apoio aos advogados, quando as suas prerrogativas legais são rasgadas em público, e o direito de defesa dos cidadãos é eliminado pelo STF. A OAB já foi notificada cinco vezes pelos advogados dos presos a respeito das ilegalidades seriais cometidas contra seus clientes. Não respondeu nada até hoje. Está contra os advogados e a favor dos carcereiros.


As vítimas, enquanto isso, seguem sendo massacradas. Há 250 presos no presídio da Papuda; no total, foram detidas cerca de 2.000 pessoas, muitas delas sofrendo hoje a tortura legal das tornozeleiras eletrônicas. É um cenário de pesadelo. Os presos foram denunciados, mas nenhum deles é réu, e nenhum deveria estar sendo julgado pelo STF, e sim pela Justiça comum.  Já estouraram todos os prazos para que possam estar detidos. Quase todos são acusados primários, que pela lei tinham de estar soltos há muito tempo.


Há pessoas que foram presas depois das depredações do 8 de janeiro – uma, pelo menos, chegou a Brasília no dia seguinte. Entre os presos há um homem com câncer, uma senhora de 70 anos e mães com crianças menores de idade. Recebem uma assistência médica miserável – não têm acesso real aos remédios de que precisam. No caso dos diabéticos, estão morrendo aos poucos dentro de suas celas. As denúncias não são individualizadas, e não se apresentam provas da conduta delituosa dos presos; são acusados em lotes.


O ministro Moraes diz que tem de ser assim mesmo, como ocorre, segundo ele, nos crimes de rixa – mas os presos (descritos pela imprensa como “golpistas” ou “terroristas”, embora não tenha acontecido nenhum golpe ou ato de terror) estão sendo acusados de “associação criminosa armada” e “golpe de Estado”. Que armas? Não foi apreendido nem um estilingue. É o pior momento da Justiça brasileira.


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