Inimaginável até fevereiro passado, o encontro histórico
entre Donald Trump e Kim Jong-un pôs fim à dúvida que persistia para o início
de negociações rumo à paz duradoura na Península Coreana. Os dois são, ao lado
do sul-coreano Moon Jae-in, candidatos naturais ao Nobel da Paz deste ano.
Tem pouco significado imediato o comunicado assinado hoje
em Cingapura. Natural que, nesta fase, o resultado produzido ainda seja vago e
pobre em detalhes. O importante é que, doravante, está criada a ponte entre Kim
e Trump. “Ele confia em mim, eu confio nele”, afirmou Trump após a reunião. A
confiança mútua entre os líderes dos dois lados é a melhor garantia de que as
negociações podem trazer frutos.
Trata-se de um momento tão histórico quanto foram a
viagem de Richard Nixon à China, em 1972, ou os acordos entre Ronald Reagan e
Mikhail Gorbachev, em 1986 e 1987. Em ambos os casos, a relação pessoal criada
entre os líderes dos dois países fez deslanchar negociações que ambos os lados
julgavam improváveis, até impossíveis, e resultaram numa nova configuração geopolítica
do planeta.
Até que ponto o diálogo entre Trump e Kim poderá trazer
resultado semelhante? Impossível saber a esta altura. Mas o primeiro passo foi
dado. Trump cedeu ao aceitar que a realidade da desnuclearização exige uma
abordagem gradual. Kim, ao adotar como meta inequívoca o fim das armas
nucleares na Península Coreana. Em troca, obteve uma garantia implícita de que
ficará no poder.
“O presidente Trump se comprometeu a fornecer garantias
de segurança à Coreia do Norte, e o líder Kim Jong-un reafirmou seu compromisso
firme e inabalável com a desnuclearização completa da Península Coreana”,
afirma o comunicado assinado pelos dois.
As questões que persistem depois do encontro dizem
respeito aos detalhes. Quando estão em jogo negociações nucleares, é claro que
detalhes são essenciais e podem por tudo a perder. Kim reafirmou as palavras
empregadas na declaração de Panmunjom, assinada com a Coreia do Sul em abril,
em que se compromete a “trabalhar rumo à desnuclearização completa da Península
Coreana”.
É uma formulação vaga, que não estabelece prazos e lhe
permite manter armas nucleares como forma de pressão pelo tempo que julgar
necessário. Está bem distante da meta do assessor de Segurança Nacional John
Bolton, que usa como exemplo o caso da Líbia. Em 2003, o ditador Muammar
Khaddafi aceitou despachar todo o material atômico e seu arsenal de armas
químicas para ser desmantelado fora do país.
Para os norte-coreanos, a Líbia é a prova de que os
americanos não são 100% confiáveis. Depois de aceitar se desvencilhar do
programa nuclear, foi atacada em 2011, e Khaddafi, deposto. Outro exemplo usado
para desacreditar os americanos é o acordo com o Irã, rompido por Trump há
pouco mais de um mês.
Mas a Coreia do Norte está em situação bem distinta. Para
começar, já dispõe de bombas atômicas – estimativas falam em até 60 – e de
mísses para lançá-las sobre território americano. Há, segundo a Rand
Corporation, entre 40 e 100 instalações nucleares no país (no mínimo o triplo
que o Irã tinha antes do acordo com o governo Barack Obama). A desnuclearização
completa não será alcançada em menos de dez ou quinze anos, diz um relatório da
Universidade Stanford.
O principal risco é que qualquer documento negociado
agora pelos dois lados seja fraco nas garantias de desnuclearização total.
Manter algo como dez bombas atômicas, cujo desmantelamento estaria sujeito a
alguma condição improvável, seria uma vitória para Kim.
Os incentivos para que Trump faça concessões são óbvios –
e Kim foi astuto ao perceber isso. Pela primeira vez desde a Segunda Guerra, os
Estados Unidos têm um presidente disposto a recuar nas intervenções
internacionais. Um eventual acordo envolverá redução na força de 28 mil
soldados mantidos na Coreia Do Sul. Os norte-coreanos poderiam impôr a retirada
deles como condição ao desarmamento.
O presidente sul-coreano, Moon Jae-in, almeja a
aproximação com o país vizinho como oportunidade econômica. Vê a reunificação
como meta tangível, que justificaria riscos. O Japão, ao contrário, observa a
negociação com receio, ou mesmo angústia. É essencial, para os japoneses, que o
desarmento inclua não apenas os mísseis de longa distância que alcançam Chicago
ou Washington, mas também os de curta, que chegam a Tóquio ou Kyoto.
A maior forma de pressão que Trump tem em mãos são as
duríssimas sanções econômicas impostas contra a Coreia do Norte desde o
fracasso das últimas negociações em 2006. A abertura no setor agrícola,
industrial e de serviços é urgente para combater a fome e a pobreza endêmica.
Investimentos e a integração ao mercado financeiro global representariam outra
vitória para Kim.
Duas dificuldades poderão emperrar as conversas.
Primeiro, as visões diferentes sobre os objetivos a alcançar. Não há
possibilidade de Kim aceitar abrir mão de todas as suas armas sem a garantia de
sobrevivência de seu regime tirânico não apenas dos Estados Unidos – mas também
da China, a grande ausente das negociações.
Para o governo de Seul, e mesmo para Tóquio, a meta
implícita é a reunificação. Para a China, esse cenário é intolerável. Pequim
jamais aceitará tropas americanas perto de suas fronteiras – e mantém Kim sob
controle remoto. A expectativa americana é desligar a conexão que liga
Pyongyang a Pequim para redesenhar a geopolítica na região.
Entra em jogo então a segunda dificuldade: a
personalidade imprevisível dos dois líderes. É sintomático que, ao longo de
todo o balé de reaproximação, Kim tenha parecido o mais adulto. Personalidades
têm importância crucial nas iniciativas diplomáticas. O temperamento de Trump é
tudo menos estável. Qualquer explosão no Twitter, rompendo as conversas ao
menor pretexto, significará não um recuo à situação anterior, mas um risco ainda
maior.
Por enquanto, Trump e Kim parecem afinados. Há interesses
comuns. A química pessoal poderá resultar num acordo sem precedentes. A China
representa a maior incógnita. Mas não dá para comparar a situação atual à do
início do ano, quando se temia uma guerra nuclear. Se o motivo da aproximação
for maior que apenas um Nobel para satisfazer ao ego de ambos, o mundo estará
mais seguro. E não há, por sinal, mal algum em conceder o Nobel a Trump, Kim e
Moon. Eles merecem!
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