Mais um golpe contra o Tesouro será consumado, se
parlamentares devedores de tributos, com R$ 532,9 milhões em atraso, aprovarem
o projeto do novo Refis tal como foi aprovado, na semana passada, na Comissão
Mista da Medida Provisória (MP) 783. Votarão, nesse caso, para conceder a si
mesmos um benefício tão indecoroso quanto prejudicial à recuperação das contas
públicas e da economia, destroçadas pelos erros e desmandos cometidos por Lula
da Silva e exacerbados por Dilma Rousseff. O Executivo enviou ao Congresso,
neste ano, por meio de MPs, dois programas de renegociação de débitos fiscais.
Os dois foram desfigurados pelo relator, o deputado Newton Cardoso Jr.
(PMDB-MG), convertidos em prêmios à sonegação e inutilizados para os propósitos
do governo.
As propostas de renegociação deveriam servir a dois
objetivos. A longo prazo, deveriam permitir a recuperação de uma parcela
significativa dos créditos fiscais em atraso. De imediato, deveriam
proporcionar uma importante receita adicional: para participar, os devedores
deveriam pagar neste ano uma entrada substancial.
A primeira tentativa fracassou em março, quando a MP 766
foi deformada pelo relator, com perdão de multas e juros e alteração de prazos
e parcelas. O Executivo deixou caducar a MP, buscou entendimento com os
parlamentares e enviou a de n.º 783. O deputado Newton Cardoso Jr. repetiu a
façanha, incluindo no texto perdão de até 99% de juros e multas e deformando,
mais uma vez, a proposta. A comissão aprovou a versão desfigurada, em mais uma
exibição de desprezo pelos bons costumes e pelo interesse público. Se aprovado
no plenário, o projeto deverá ser vetado pelo presidente.
O próprio relator é sócio e diretor de empresas devedoras
de R$ 51 milhões, segundo informação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
(PGFN) divulgada na quarta-feira pelo Estado. A dívida total de R$ 532,9
milhões em atraso inclui apenas compromissos classificados como “irregulares”
pela PGFN. Vários parlamentares vinculados a esse débito já se beneficiaram de
Refis anteriores. “Regulares” são os compromissos ligados a esses programas, se
estiverem sendo normalmente pagos.
O esquema previsto na MP 783, a segunda destroçada pelo
relator, deveria render neste ano pagamentos iniciais no valor de R$ 13,3
bilhões. Com a deformação da proposta, a arrecadação inicial deve ser de R$ 420
milhões, pouco mais de 3% do valor planejado pelo governo. Essa perda tornará
muito mais difícil atingir a meta fiscal definida para este ano, um déficit
primário, isto é, sem a conta de juros, de R$ 139 bilhões. É um buraco enorme,
mas, apesar disso, alcançar esse alvo será um avanço importante na direção do
reequilíbrio de receitas e despesas primárias. Esse avanço é indispensável para
atingir o objetivo mais ambicioso de conter e reduzir o peso da dívida pública.
Parlamentares têm-se esmerado em dificultar esse ajuste
e, portanto, em atrapalhar a recuperação econômica. Além de deformar o novo
Refis, desfigurando as MPs 766 e 783, opõem-se à reoneração das folhas de
pagamentos a partir deste ano, programada para uma receita adicional estimada
em R$ 2 bilhões.
A arrecadação continua insuficiente para o cumprimento da
meta fiscal deste ano. A receita de junho foi 3% maior, descontada a inflação,
que a de um ano antes – um reflexo das melhoras observadas até maio na produção
industrial, no consumo e na massa de salários.
O resultado de junho pode ter sido animador, mas a
arrecadação acumulada no primeiro semestre, de R$ 648,58 bilhões, foi apenas
0,77% maior que a de janeiro a junho de 2016 – e o crescimento se deveu à
receita de royalties. Os impostos e contribuições administrados pela Receita
Federal proporcionaram uma arrecadação 0,2% menor que a de um ano antes.
Diante desse quadro geral, já se fala, no governo, em
aumento de tributos – talvez R$ 10 bilhões – para o cumprimento da meta fiscal.
Difícil será impor esse aumento sem prejudicar a recuperação apenas iniciada e
ainda frágil. Quem se preocupa com isso? Os parlamentares centrados nos
próprios interesses?
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