Análise, Fabiana D'Atri - Vetores que garantirão expansão de 6,0% da China neste ano Fabiana D’Atri


- O artigo de Fabiana D'Átri foi produzido para o Depec do Bradesco, edição de hoje.

O ambiente na China, como um todo, está mais favorável para estabilização da economia. O Congresso do Partido Comunista, encerrado há quase um mês, esclareceu a condução da política interna e definiu a estabilização da economia como prioridade. As negociações com os EUA têm avançado de forma concreta, ainda que um acordo mais amplo deva ser concluído em um tempo mais dilatado. A confiança interna vem melhorando, com a expectativa de que estímulos creditícios e fiscais sejam mais direcionados ao setor privado e que os investimentos em infraestrutura ganhem tração. Ainda assim, o ambiente não parece tão bom quanto o de um ano atrás, mastambém não tão desafiador como observado no final do ano passado.

Crescer entre 6,0 e 6,5%, conforme meta assumida pelo último Congresso Nacional, ainda deve ser lido como um sucesso na condução das políticas interna e externa. Os desafios para estancar a desaceleração iniciada há um ano são consideráveis; ainda deveremos observar resultados mistos antes de termos respostas mais claras da economia aos estímulos recentes. O segundo trimestre, assim, exigirá analisar os dados efetivos pelo retrovisor e monitorar como os estímulos – creditícios e fiscais – estão avançando. Ao mesmo tempo, os impactos mais permanentes dos ajustes estruturais dos últimos dois anos – com destaque para desalavancagem, fechamento de capacidade instalada e controles ambientais – e os efeitos da tensão comercial(com aumento das tarifas) seguirão limitando essa retomada cíclica.
Há, sem dúvida, um ajuste em curso das políticas internas, que deverá surtir efeito nos próximos meses. Ao se definir a estabilização da economia como prioridade, alinham-se as políticas nas diversas esferas públicas na China – o que difere do que observávamos no ano passado. O alívio da política monetária começa a se refletir na expansão de crédito nos dois primeiros meses de 2019. As condições que foram permitidas aos governos locais, com avanço da emissão de títulos, devem acelerar os investimentos em infraestrutura, já em recuperação. Por fim, não podemos esquecer os estímulos fiscais (iniciados meses atrás, mas intensificados recentemente),com importante corte de impostos para famílias e, principalmente,empresas.

Mas a lista de restrições para a retomada ainda é grande. O setor imobiliário residencial parece estar iniciando um ciclo de desaceleração. As vendas de imóveis vêm perdendo força, mas o destaque fica com a recente e forte queda das vendas de terras, indicando retração dos investimentos à frente2. Esse ciclo, portanto, pode ser mais longo, considerando os sinais de arrefecimento da primeira fase, com ajuste acontecendo nos leilões de terras. Há quem acredite que o governo não assistirá à desaceleração de um setor tão crucial para a economia sem fazer nada. Portanto, poderemos observar reações dos governos locais nos próximos meses, estimulando a demanda final (com alívio das condições de crédito e de aquisição de segundo imóvel, por exemplo), para que o interesse das construtoras volte a crescer, comprando mais terras novamente. Por ora, sabemos que as cidades maiores têm se sustentado em níveis mais elevados (em todos ciclosdo setor),mas essas representam apenas 30% do volume de imóveis entregues na China.

O ciclo do setor imobiliário na China começa com os leilões de terras organizados pelos governos locais. Depois que as construtoras adquirem o terreno, há um prazo de no máximo 2 anos para começarem as obras. As vendas, por sua vez, ocorrem na defasagem natural do desenvolvimento da construção dos edifícios. Por isso, é importante o acompanhamento dos dados de vendas de terras, investimentos no setor e vendas de imóveis residenciais.

A queda das exportações ainda tende a ficar mais evidente, uma vez que a economia mundial segue fraca e as sobretarifas impostas pelos EUA continuam presentes (não escalaram para 25%, mas parte importante teve aumento de pelo menos 10%). Além disso, não podemos desprezar o fato de que a economia ainda sente os efeitos do aperto dos últimos dois anos: (i) as restrições ambientais deverão seguir presentes, ainda que na margem não devam ser elevadas; (ii) defaults de empresas estão em curso e muitos governos locais, especialmente nas menores cidades, continuam em dificuldade financeira e (iii) a regulação imposta sobre o shadow banking, principalmente aos produtos de investimento,não deverá ser revertida.

O diálogo com os EUA parece ter avançado bastante na agenda comercial, mas questões relacionadas à propriedade intelectual e transferência de tecnologia estão abertas. Mesmo reconhecendo que os incentivos políticos dos dois lados sejam favoráveis a um acordo – ainda que parcial –, há exigências do lado norteamericano e concessões do lado chinês não pacificadas. No entanto, como sinalizado pelos dois países nas últimas semanas, parece que um acordo possa ser anunciado em breve. Assim, o mais provável é que um tratado mais restrito seja conhecido no curto prazo e que as tarifas fiquem estacionadas em 10%. De todo modo, entendemos que as tensões entre as duas economias continuarão presentes (alguns temas muito delicados para os dois lados, como a abertura de mercados chineses aos EUA levarão algum tempo para serem endereçados) e alguns efeitos, não só para os dois países, mas também para toda a economia global deverão ser mais permanentes, como aumento das tarifas e restrições ao capital chinês. Para a China, será um desafio atrair capital estrangeiro para produção em seu país, antes destinada ao mercado global. Por fim, as questões tecnológicas são definidas pelos EUA como questão se segurança nacional e não estão consideradas nas discussões atuais.
  
Além das restrições estruturais e externas ao crescimento, dúvidas relevantes ainda nos mantêm cautelosos com o desempenho da economia chinesa neste ano. Ressalvas importantes concentram-se nos canais de transmissão da política econômica. Primeiramente, dada a queda da eficácia da política monetária, decorrente em grande medida do elevado endividamento (com parte dos recursos sendo destinado para rolagem de dívidas), devemos acompanhar de perto não só a expansão das concessões bancárias, mas também a participação do shadow banking. Isso porque os bancos comerciais ainda têm muita cautela para conceder ao setor privado, que ainda depende muito das instituições não bancárias. Também é fato que, dado o nível elevado de endividamento, parte do crédito segue direcionada à rolagem das dívidas antigas. Na mesma direção, há muitas incertezas relacionadas ao efeito multiplicador do corte de impostos. Isso porque pela a China evita estímulos do lado da demanda e há sinais de que as empresas usarão parte relevante da queda dos impostospara recompor margens.

Somados aos questionamentos sobre os canais de transmissão da política econômica, há um dilema interno nem um pouco desprezível, inclusive na alta cúpula da administração do Partido, sobre o balanceamento entre as políticas de curto e longo prazos. De acordo com a direção sugerida por Liu He, vice-premiê responsável pela reforma do lado da oferta entre 2016 e 2018, a redução dos riscos financeiros não deve ser abandonada. No entanto, diante das pressões de curto prazo, especialmente sobre o mercado de trabalho, a agenda de estímulos voltou à tona, liderada por Li Keqiang, primeiro-ministro chinês. Com isso, voltamos a observar a retomada cíclica dos anos anteriores, impulsionada por crédito e investimentos. O gráfico a seguir, inclusive, ilustra os cenários contrafactuais de crescimento caso a expansão do crédito tivesse sido mais cautelosa e partir de 2011. Ou seja, o suporte à economia será dosado para estancar a desaceleração.

Fazendo uma simples contabilidade do crescimento, o risco de frustração de um cenário de expansão entre 6,0 e 6,5% segue pequeno. As exportações devem cair aproximadamente 10%, enquanto o setor imobiliário pode retirar até 1 p.p. do PIB (no horizonte de 1 a 2 anos). Por sua vez, investimentos em infraestrutura podem compensar parte desses vetores baixistas, avançando 15%, e o consumo das famílias tende a mostrar discreta melhora, em resposta à recuperação da confiança e aos cortes de impostos. O setor industrial deve ser o fiel da balança, ampliando os investimentos se as tensões com EUA diminuírem e se, de fato, tiver acesso ao crédito (não apenas para se refinanciar).
A avaliação final é a de que governo, empresas e meio acadêmico têm atualmente uma lucidez maior em relação aos desafios estruturais e às lições dos últimos dez anos. Isso implica dizer que as políticas de curto prazo continuarão sendo balanceadas pelos objetivos de longo prazo (redução de riscos financeiros, redução da pobreza e controle ambiental). Assim, não devemos esperar crescimento muito forte e a política econômica continuará sendo ajustada conforme a necessidade. Sabe-se, portanto, que diante do maior controle da alavancagem, o crescimento será menor daqui para frente. A dissipação das tensões com EUA ainda é decisiva para retomada da confiança interna. Contudo, incertezas relacionadas ao timing da negociação, ao escopo de concessões dos EUA e da China e aos compromissos a serem assumidos pela China são consideráveis.




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