O pouco que há de instabilidade política deve-se, como já
foi dito, à guerra pela hegemonia na direita. Estabeleceu-se quando as antigas
forças dominantes tradicionalmente abrigadas sob o guarda-chuva do PSDB, ou que
orbitavam em torno dele, foram ultrapassadas na eleição por Jair Bolsonaro. O
bate-boca permanente do bolsonarismo é com a esquerda mas seu inimigo principal
está na direita inconformada que, sob o brand name de "centro", luta
para retomar posições.
Não que a esquerda esteja protegida das balas. Para o
bolsonarismo, bater no PT é a certificação permanente de autenticidade, de que
merece ter a liderança do seu próprio bloco histórico. Daí os arreganhos e a
guerra politico-cultural travada com a ordem expressa de não fazer
prisioneiros. É uma tática que empareda o centro: se as tentativas de centrismo
aproximarem-se da esquerda para construir uma alternativa, darão gás ao
argumento de que pavimentam a volta do petismo; se não, ficará dificil
distinguirem-se do bolsonarismo.
O centro precisará ter paciência e torcer para que um
dia, exaurido, um dos lados conforme-se com a perda da capacidade hegemônica, e
aceite ir para o segundo plano em nome do "combate ao mal maior”. Mesmo
não havendo qualquer garantia de que este dia vai chegar. Se vier, poderá ser
uma situação em que o bolsonarismo se mostre frágil no mano a mano com a
esquerda. Ou o inverso, o adversário de esquerda se mostrar o melhor passaporte
para Jair Bolsonaro ou uma alternativa (Mourão? Moro? Guedes) faturar mais
quatro anos em 2022.
Talvez o centro ande precisando de um benchmark. Há dois
cases de sucesso. O primeiro é o velho MDB. Políticos que haviam apoiado a
instalação da ditadura passaram a nuclear a oposição quando perceberam que o
novo regime não lhes daria espaço. Os casos mais notáveis foram Franco Montoro
e Ulysses Guimarães. Outro case foi Fernando Henrique Cardoso, quando convenceu
o PFL de que ele, FHC, era o tíquete certeiro para evitar o então "mal
maior", a vitória de Lula depois do impeachment de Fernando Collor.
Mas nos dois casos foi necessário as condições
subjetivas, a consciência sobre a situação objetiva, alcançarem massa crítica.
Por enquanto, o dito centro continuar acreditando que vai levar a taça
denunciando “ambos os extremismos” parece política de pouca potência. É certo
já haver em excluídos do poder, nos dois lados, alguma vontade de aderir à
“frente ampla”, mas é movimento incipiente. Nem Lula quer aposentar-se, nem o
eleitor de Bolsonaro parece tão vulnerável.
O paradoxo para o centro é que uma futura fragilidade do
bolsonarismo estará inevitavelmente (advérbio perigoso) ligada à frustração na
economia. E hoje o centro pode ser mais bem resumido em algo como “a política
de Paulo Guedes, mas sem Bolsonaro, sem Olavo de Carvalho e sem o AI-5”. Ou
seja, se a economia não trouxer resultados brilhantes na percepção do povão,
vai restar ao centro o argumento de que Bolsonaro atrapalhou Guedes. Será
preciso muita marquetagem, ainda que, atenção, a operação já esteja em
andamento.
O maior problema, como sempre, é a teimosia dos fatos. A
economia reage, mas lentamente e de modo muito desigual na pirâmide de renda. E
o desemprego em torno de dois dígitos parece confirmar as análises de ter
virado estrutural. O motivo é pinçado conforme a conveniência do analista. Quem
não curte Bolsonaro diz que ele está atrapalhando. Outros falam em insegurança
jurídica. Outros em instabilidade institucional. São todas explicações
parecidas e não verificáveis, e portanto permitem a seus defensores argumentar
ad nauseam impunemente.
O mais provável é que a recuperação esteja lenta porque
não há qualquer expectativa de acontecer pelo menos uma de duas coisas (o ideal
seria ambas simultaneamente): nem o Brasil vai virar uma plataforma de
exportação competitiva da noite para o dia, nem há qualquer plano para uma
expansão robusta do mercado interno no curto ou médio prazos. O capital vai
atrás de oportunidades de retorno. O resto é o resto.
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