Alex Pipkin, PhD em Administração - UFRGS
Consultor Empresarial e Professor
No Brasil, a legalidade virou disfarce da imoralidade. A elite do funcionalismo público — especialmente a do Judiciário — moldou as normas ao próprio conforto, escondendo-se atrás de pareceres e formalismos para blindar o indecente. O que é lícito passou a ser um tapa na cara da moral.
Não se trata de um vício exclusivo do STF, embora ali ele se manifeste de forma mais obscena. A distorção é sistêmica. Em praticamente todas as instâncias, repete-se o padrão: lentidão seletiva, arrogância institucional e uma relação promíscua com a lei. A norma deixou de ser guia ético, tornando-se escudo do privilégio.
Enquanto o cidadão comum espera anos por uma aposentadoria, certos julgamentos políticos são tratados com surpreendente velocidade. A Justiça, longe de ser cega, vê com nitidez quem deve atender.
Quando, por exceção, um magistrado é punido, a “pena” soa como prêmio. O caso de Marcelo Bretas ilustra: afastado por desvios, foi agraciado com aposentadoria integral. A impunidade se disfarça de correção. O cidadão é moído por qualquer infração. O togado, recompensado.
Enquanto isso, juízes e desembargadores recebem auxílios inaceitáveis: moradia mesmo com imóvel próprio, gratificações por produtividade mesmo em recesso. Na pandemia, processaram da serra ou da praia. Já o povo escolheu entre fome e contágio.
E tudo isso sustentado por um batalhão de assessores que, na prática, analisam e decidem o que será julgado. O juiz chancela. O cidadão pensa estar diante de um julgador, mas encontra um despachante de luxo. Enquanto isso, enfrenta o Estado sozinho, sem defesa real.
A toga, símbolo de sobriedade, virou armadura de arrogância. Vá a uma audiência e veja: não há acolhimento, há imposição. A postura não inspira respeito, impõe medo. Não é a justiça que se apresenta, é o poder que desfila.
Tudo isso se choca com o que se vê lá fora. Na Suécia, juízes andam de metrô e vivem com discrição. Aqui, vivem como nobres do Antigo Regime, cercados de privilégios e blindados contra críticas. Qualquer apontamento vira “ataque às instituições”. Mas a verdadeira ameaça às instituições é o seu esvaziamento silencioso — e bem remunerado.
Claro que há exceções. Raras. Juízes dignos existem, mas são sufocados por um sistema que premia a omissão e pune a coragem. Um sistema que abandonou o serviço público para se tornar clube de autoproteção. Hoje, o magistrado médio não serve à Justiça — se serve dela.
Quando a lei incomoda, reinterpreta-se. Distorce-se. Reconfigura-se. A Constituição virou massa moldável nas mãos de quem deveria defendê-la. O lícito é esticado até acolher o indecente — e tudo se resolve “dentro da legalidade”.
Mas a legalidade, sozinha, é uma casca. Sem moral, vira farsa. O Brasil é hoje o país onde o imoral veste terno, cita a Constituição e se protege atrás da toga. Onde o que deveria ser exceção virou regra: usar a lei não para fazer justiça, mas para se beneficiar dela.
O povo percebe. Entende que o problema não está na margem da sociedade — mas no centro do sistema. É ali, no coração do poder, que o abuso se disfarça de norma, e o privilégio se embala como direito adquirido.
Enquanto a moralidade seguir refém da toga, o Brasil permanecerá preso ao seu paradoxo mais vergonhoso: a imoralidade legalizada, blindada pelo luxo da impunidade
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