Artigo, artigo, Gustavo Silveira - Ruptura Silenciosa: Como a Retórica Vira Ameaça no Brasil de Hoje
O autor é professor universitário, Porto Alegre.
Ações judiciais recentes contra figuras da oposição — como Eduardo Bolsonaro, Filipe Martins e Felipe Barros — revelam um padrão de repressão preventiva no Brasil, baseado não em ameaças concretas, mas na criminalização de gestos políticos e discursos críticos. Argumenta-se que essas iniciativas integram uma lógica institucional de centralização de poder sob a justificativa de defesa democrática, ao custo da erosão do contraditório, da objetividade probatória e do equilíbrio entre os Poderes.
1. O Caso Eduardo Bolsonaro: Retórica como Pretexto Repressivo Eduardo Bolsonaro realizou visitas aos Estados Unidos, onde se reuniu com parlamentares e autoridades, e divulgou publicamente denúncias sobre a usurpação de poderes no Brasil e o suposto
planejamento deliberado para neutralizar ou eliminar a oposição política. Essas manifestações, ainda que polêmicas, não configuram crime nem representam ameaça concreta à soberania nacional. Pressionar por sanções internacionais ou expor excessos institucionais a atores estrangeiros não implica, por si só, qualquer capacidade real de influenciar decisões oficiais da maior potência global.
Ainda assim, a Procuradoria-Geral da República alterou sua posição anterior e solicitou a abertura de inquérito por coação institucional e tentativa de abolição do Estado democrático. A acusação, acolhida pelo STF, tem como base central falas públicas e alinhamentos ideológicos — e não atos materiais ou vínculos com qualquer articulação golpista.
Essa lógica desproporcional transforma a retórica crítica em pretexto repressivo, deslocando o foco da conduta concreta para a simbologia política, e revela uma estratégia de neutralização antecipada de possíveis processos de restauração democrática.
A acusação, acolhida pelo STF, é baseada quase exclusivamente em falas públicas e vínculos políticos. Essa desproporcionalidade se alinha a uma lógica onde a retórica crítica passa a ser tratada como ameaça concreta, e a resposta do Estado visa não punir crimes, mas neutralizar simbolicamente possíveis reorganizações institucionais futuras.
2. Criminalização de Vínculos e Antecipação de Dissenso O deputado Felipe Barros (PL-PR) foi incluído em inquérito após visitar Eduardo Bolsonaro, sob alegação de possível envolvimento com atos antidemocráticos. Nenhum fato concreto foi apresentado, apenas a suposição de que a visita indicaria alinhamento conspiratório. Esse padrão — criminalizar conexões políticas ou pessoais — revela um uso instrumental do sistema judicial para desincentivar alianças e intimidar opositores.
3. Filipe Martins, Delações e a Erosão do Devido Processo Filipe Martins, ex-assessor da Presidência, também tem sido vinculado a alegadas articulações golpistas, embora não haja prova documental ou gravação que sustente sua participação ativa em qualquer plano de ruptura institucional. As menções a ele derivam principalmente da delação de Mauro Cid, cuja inconsistência é notória: versões mudaram diversas vezes, sem corroboração independente. Ainda assim, tais delações têm sido suficientes para medidas cautelares extensivas, mesmo com sua baixa robustez.
O problema se agrava ao considerar que o ministro Alexandre de Moraes atua simultaneamente como vítima dos supostos crimes, investigador e julgador do caso — uma violação explícita ao princípio acusatório e ao devido processo legal. Esse acoplamento de funções mina a imparcialidade e compromete a legitimidade de qualquer decisão derivada desses inquéritos.
4. Conclusão: Reação Simbólica e Controle Preventivo O conjunto desses episódios revela uma lógica de ação institucional baseada não em fatos objetivos, mas em gestos políticos reinterpretados como ameaças. A retórica passa a valer como prova. A proximidade política se converte em indício de conspiração. E o sistema judicial responde com medidas repressivas preventivas, sob a justificativa de preservar a democracia.
Na prática, essa dinâmica contribui para a erosão do Estado de Direito e para o fechamento do espaço público democrático. O que se apresenta como defesa da ordem constitucional pode, paradoxalmente, representar sua distorção mais perigosa: a substituição do contraditório por narrativas controladas e da legalidade por conveniência institucional.
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