Artigo, especial, Alex Pipkin - A Farsa da Reconstrução

Alex Pipkin, PhD

Nasci em 1965, durante o regime militar. Cresci entre a disciplina e a censura, mas também entre o humor e a curiosidade. Cheguei aos vinte anos em meio às Diretas Já. Havia contestação, havia risco, mas havia riso. Ah, riso; a arma silenciosa contra a tirania e o absurdo, um bálsamo da vida. Chico Anísio e Jô Soares transformavam política em sátira cortante. Discordava-se, debatia-se, mas respeitava-se o outro. O adversário não era inimigo; era interlocutor. Não havia essa arma ideológica do identitarismo, nem a obsessão em dividir a sociedade em tribos. Olhar para o passado não é saudosismo — o saudosismo engana — mas compreender que existia espaço para pensamento crítico, humor e liberdade de expressão.

Hoje, prestes a completar sessenta anos, ouço o slogan oficial: “união e reconstrução”. Nada mais farsesco. O identitarismo virou motor político, nutrindo jovens com a ideia fixa de que são vítimas eternas. A mídia putrefata, que finge se preocupar com a extrema-direita, atua como caixa de ressonância de ressentimentos. O resultado de tudo isso é uma sociedade fragmentada, em que negros e brancos, homens e mulheres, héteros e gays, católicos e judeus se veem como inimigos irreconciliáveis.

Ao invés de estimular responsabilidade individual, esforço e mérito — emprego, saúde, educação de qualidade, segurança —, optou-se pelo assistencialismo que paralisa a ambição de criar. A maioria vive de migalhas estatais, refém de um Estado que aprisiona, não emancipa. As universidades, em vez de formar cidadãos, converteram-se em trincheiras doutrinárias. O ódio ao outro substituiu a busca pela felicidade. A discordância virou afronta pessoal. Quando essa lógica é chancelada por instituições, quando a toga fala como político e moraliza o desacordo, a desumanização se torna regra. A violência simbólica se transforma em violência real, banalizada e aceita.

Tenho certeza — convicção, pois certeza só lá de cima — de que muitos calçariam meus sapatos, e as mulheres meus chinelos, sentindo o que estou sentindo, vivendo o mesmo desespero diante do estado da sociedade. Ao invés de investir energia na própria vida, no crescimento individual, muitos de fato gastam força destruindo o outro.

No Brasil, este desgoverno da revanche e da vingança criou, em apenas três anos, um clima sufocante de desencanto. 

Independentemente do que se espere sobre Bolsonaro, a sensação permanece, a de que a vida parece não valer a pena ser vivida. Aparenta que o mundo já não suporta mais este clima de guerra social. Cidadãos saem às ruas pedindo menos ideologia, mais pragmatismo e compromisso com o bem comum. Pessoas de bem, fartos da destruição, reivindicam liberdade, debate e responsabilidade individual. Necessita-se de um basta. O Brasil ainda não ouve.

Sociedades que prosperam cultivam tolerância, debate e humildade intelectual. Precisam de liberdade para criticar, conversar e divergir — não de propaganda, censura ou ditadura da toga. Sem isso, o tecido social se esgarça, o humor desaparece, e a vida perde sentido.

União? Nunca estivemos tão fragmentados. Reconstrução? O edifício desaba quando os alicerces são ódio e ressentimento. A desunião é fruto de uma esquerda que vive do conflito, que nunca teve princípios e só existe para se perpetuar na divisão social. Eis a maior obra em curso: a consagração da desunião e da destruição.

2 comentários:

  1. Para melhorar teremos que piorar muito....enquanto houver pessoas recebendo estado nada aí mudar...

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