Título original: "REVOLTA NA FRANÇA É DIFERENTE DE OUTROS PROTESTOS
ANTISSISTEMA"
- Adam Nassiter - New York Times/Estado de SP
Foi pouco, e tarde demais. Essa foi a reação dos
manifestantes franceses ao repentino recuo do governo. Os “coletes amarelos”,
que levaram a França ao tumulto com violentos protestos querem mais – impostos
mais baixos, salários mais altos. Essas demandas profundas conectam levantes
populistas no Ocidente, incluindo Reino Unido, Itália, EUA e a Europa Central.
2. O que une essas insurreições, além das exigências, é a
rejeição aos partidos, sindicatos e instituições governamentais. Mas o que
torna a revolta da França diferente é que ela não seguiu o costumeiro manual
populista. Não está ligada a um partido político. Não se concentra em raça ou
migração e essas questões não aparecem na lista de reclamações. Não é liderada
por um único líder raivoso e de retórica incendiária. O nacionalismo não está
na agenda.
3. A revolta é essencialmente orgânica, espontânea e
autodeterminada. É sobre classe econômica. É sobre a falta de condições de
pagar as contas. Nesse sentido, é mais parecida com os protestos contra Wall
Street dirigidos pelos trabalhadores pobres no “Occupy” dos EUA do que com o
líder da Hungria, Viktor Orbán.
4. Os “coletes amarelos” afastam os políticos e rejeitam
os socialistas, a extrema direita, o movimento político do presidente Emmanuel
Macron e tudo mais que estiver no meio. Permanece relativamente desestruturado
e ainda não foi sequestrado pela nacionalista de extrema direita Marine Le Pen,
ou pelo líder de extrema esquerda Jean-Luc Mélenchon, por mais que esses
tentem.
5. “É o mesmo medo, raiva e ansiedade na França, na
Itália e no Reino Unido”, disse Enrico Letta, ex-primeiro-ministro da Itália,
que leciona na Universidade Sciences Po, em Paris. “Esses três países têm o
mais elevado nível de defasagem de classe”, disse ele. Nos 30 anos após a 2ª
Guerra, “eles estavam no topo do mundo, viviam com um nível muito elevado de
bem-estar médio”, disse ele. “Agora, há um grande medo de ver tudo isso
escapar.”
6. Esse medo transcende todos os outros. Na França, há um
paradoxo no atual impasse, já que a ascensão de Macron se baseava em varrer os
partidos políticos existentes e na rejeição de intermediários tradicionais,
como os sindicatos trabalhistas. Seu livro de campanha era chamado Revolução e
expressava uma espécie de desprezo pelas partes que entregaram poder umas às
outras por 50 anos. Macron, ao personalizar o poder e rejeitar o que viera
antes, ajudou a criar o mundo da fraqueza institucional em que os “coletes
amarelos” agora florescem.
7. Mas sua base, na época e agora, era extremamente
pequena, pressagiando a sua atual rejeição. Ele ganhou apenas 24% dos votos no
primeiro turno no ano passado – enquanto seus adversários na extrema direita e
extrema esquerda, juntos, levaram mais de 40% dos votos. Esses números agora
retornam para assombrá-lo.
8. Macron tenta promover reformas para tornar a França
mais favorável aos negócios, como a Grã-Bretanha fez na década de 80 e a
Alemanha na década de 90. Enquanto isso, a reação global já está em alta,
alimentada pelas disparidades de renda que essas mudanças introduziram.
9. A combinação de descontentamento e desconfiança tornou
os “coletes amarelos” uma força em expansão. O protesto já mudou de uma revolta
por um pequeno aumento do imposto sobre a gasolina para demandas por salários
mais altos.
10. A resposta do governo é especialmente preocupante. De
uma parte, autoridades manifestam simpatia, sem ousadias, pois há amplo apoio
ao movimento. De outra, as mesmas autoridades estão zangadas com o violento
desafio à estrutura institucional da França. O resultado é uma espécie de
paralisia, revendo ajustes, o que provavelmente só convidará a mais
desafios.
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