No
conto "A santa", Gabriel García Márquez narra a saga de Margarito
Duarte, um pobre colombiano que vai a Roma, levando o corpo incorrupto da
finada filha num estojo, esperando mostrá-lo ao papa e consignar a santidade da
defunta.
Embora de pouca transcendência, o "realismo fantástico" de García
Márquez é envolvente, instigante e, no caso particular desse conto, capaz de
enternecer o leitor: Margarito acredita piamente em sua missão e a ela dedica
sua vida inteira.
Já
nada enternecedor, mas patético, é o comportamento de quem indexou o ano de
2019 no capítulo das bizarrices históricas. É aquele punhado de inqualificáveis
que se entregou à insana missão de carregar um cadáver político no esforço vão
de consolidar um mito que se esfuma: Lula.
Muitos deles, que, feito moscas numa fruta podre, enxameiam à volta do
ex-presidente, hoje consignado como criminoso pela Justiça, têm essa esdrúxula
devoção porque acreditam piamente em todas as beneficiosas (e falsas)
"narrativas" da santidade do defunto líder.
São militantes que não conhecem as razões da condenação do líder, mas têm
convicção de que tudo ocorreu "sem provas", de que ele é "preso
político" e de que há uma conspiração dos ricos contra os pobres.
São
zumbis ideológicos com a cabeça feita por oráculos que criam as
"narrativas" e decidem o que é ou não é verdade, isto é, por
dirigentes partidários, sindicalistas, parte da elite acadêmica, impostores que
se passam por religiosos, e por boa parte da imprensa.
Esses oráculos sabem muito bem que as alegações que levaram Lula à cadeia estão
fundadas em fatos - e os fatos não são de direita nem de esquerda. Dizer que
Lula é preso político é só uma tremenda molecagem.
Na
mentalidade cínica desses profetas, o dinheiro subtraído aos cofres públicos, a
propina recebida, o enriquecimento da cúpula partidária (e do seu líder em
particular), os muitos delitos cometidos por Lula e seus comparsas não são
crimes. Por quê? Porque foram atos praticados enquanto os acusados trabalhavam
pela revolução socialista.
Só
que, para enganar a boa-fé da população, é preciso ocultar os fatos e inventar
uma historinha, como, por exemplo, a da situação de vítima de Lula. É uma
aposta na estreiteza cognitiva de uns e na preguiça mental de outros para lhes
enfiar na cabeça falsificações ideológicas.
Mas, fazer esse jogo sujo é cada vez mais difícil, porque todo mundo está
conectado. As redes sociais, que podem ser usadas para o bem e para o mal, vêm
atrapalhando demais, fazendo o público lembrar fatos inapagáveis que acabam com
a santidade do ex-metalúrgico.
A
todo tempo, as redes lembram, por exemplo, que foi com Lula que a corrupção
virou método de poder, que nosso dinheiro financiou projetos de ditaduras
amigas e que a Petrobras entregou de graça uma refinaria a Evo Morales, ditador
da Bolívia.
Lembram, também, que Lula, mulher e filhos amealharam uma fortuna imensa,
enriquecimento inexplicável; que a Justiça conseguiu bloquear grande parte
dessa fortuna; e que as autoridades têm motivos para crer que Lula haja
escondido muito mais dinheiro em contas no exterior.
Como resultado, é cada vez menor o número dos idiotas úteis que, acreditando na
incorruptibilidade do cadáver, imitam pateticamente o personagem de García
Márquez.
Sim, pouco a pouco vai "caindo a ficha". Era bem mais fácil enquanto
Lula estava na cadeia: colava melhor a balela do vitimismo. Agora, acabou!
Parece que o prazo de validade das "narrativas" está vencido.
Renato Sant'Ana é Advogado e Psicólogo.
E-mail: mailto:sentinela.rs@uol.com.br
sem tirar nem por!
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