O Brasil deverá encerrar neste ano o longo ciclo de ajustes e reformas iniciado em 2016.
Depois de anos marcados por avanços em reformas e redução gradual do déficit público, tudo
sugere que 2023 seja o início de um período de fraca agenda reformista e piora das contas
públicas.
No que se refere às reformas, os anos de 2016 a 2021 foram atípicos no Congresso. A revisão
ampla de regras não é o padrão legislativo, caracterizado por avanços marginais. A agenda de
reformas foi explicada pela crise econômica e política de 2016, que fez a sociedade exigir
respostas do Estado. Neste momento, no entanto, a superação das últimas recessões reduz a
pressão por mudanças e faz com que a atividade parlamentar volte ao padrão. Em particular,
parece pouco provável que versões amplas das reformas tributária e administrativa sejam
aprovadas.
No caso das contas públicas, é curioso que a despeito de todos os ruídos, o retrato de 2022 foi
positivo e os indicadores do governo central, como despesa, receita, dívida bruta e resultados
primário e nominal consolidaram a melhoria observada a partir de 2017.
De fato, apesar de todas as manobras para se contornar a regra do teto e ampliar o gasto em
cerca de R$ 190 bilhões em um ano eleitoral, a tendência de queda da despesa do governo
central como proporção do PIB foi preservada. De um nível próximo a 20% do PIB em 2016, os
últimos dois anos mostraram valores ao redor de 18%. Desde 2017 há controle de salários e
investimentos públicos, com a revisão da estrutura do Estado por meio da reforma da
previdência, programas de concessão, privatização e devolução de recursos das estatais.
O comportamento das receitas também contribui para o bom desempenho fiscal. Além do
crescimento econômico acima do esperado, os preços de energia subiram significativamente
mais que o IPCA em boa parte do ano. Com isso, as receitas líquidas avançaram quase R$ 280
bilhões e, como proporção do PIB, alcançaram patamares acima da média histórica.
Com despesas relativamente controladas e receitas em alta, o País confirmou a tendência de
melhoria gradual do resultado primário do governo central e, depois de oito anos, voltou a
apresentar um superávit de R$ 54 bilhões, equivalente a 0,5% do PIB. Este desempenho
permitiu que a dívida bruta, após o salto para 87% do PIB em 2020, recuasse para o patamar
de 74%, número bem melhor que o esperado pelos analistas.
Esta tendência recente das contas públicas, no entanto, deverá ser revertida a partir de agora.
Com o esgotamento político da estratégia de ajuste fiscal, a demanda da sociedade por
maiores gastos após a pandemia e a vitória nas eleições de uma visão que valoriza a presença
do Estado na economia e na sociedade, a tendência dos próximos anos deverá ser de aumento
de gastos. Para este ano, a expansão já anunciada deverá recolocar a despesa como proporção
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PÚBLICO
do PIB no patamar de 19,5% do PIB. Este ambiente deverá influenciar o debate sobre regras
fiscais e impactar o cenário para as contas públicas a partir de agora.
Da mesma forma, a desaceleração global, o aperto nas condições locais de crédito e a queda
da inflação, principalmente nos preços de energia, devem fazer com que a receita como
proporção do PIB reverta à média. Como resultado de mais despesas e menos receitas, o País
deve voltar a apresentar um déficit primário do governo central da ordem de 1,0% do PIB, com
a dívida bruta voltando para o patamar de 79% do PIB.
Mais importante, as incertezas em relação às regras fiscais e à agenda econômica dificultam a
construção de cenários de estabilidade fiscal. A única certeza é que o desafio à frente é
elevado. Enquanto a mediana das projeções coletadas pelo Banco Central indica a volta do
superávit primário apenas a partir de 2028, a estabilização da dívida bruta ocorreria em 2031 e
no elevado patamar de 92% do PIB.
O problema é que este quadro é muito sensível ao ambiente econômico. Sem um quadro de
forte expansão global e com uma agenda econômica que leve a um equilíbrio
macroeconômico marcado por menor crescimento, inflação mais alta e juros reais mais
elevados, será difícil gerar superávits primários capazes de estabilizar a dívida pública.
Por último, vale lembrar que este cenário de perda de fôlego das reformas e de piora das
contas públicas não deverá produzir impactos relevantes no curto prazo. A economia ainda
está sendo favorecida pelas reformas trabalhista e da previdência, pela autonomia do Banco
Central e por novos marcos regulatórios.
Isso não significa que não haja problemas. O fim do ciclo de ajustes tende a fazer com que a
economia gradualmente volte a ficar vulnerável a choques e crie um círculo vicioso entre
instabilidade e crescimento
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