A origem da
construção de barragens se confunde com as primeiras grandes civilizações, que
as usavam para reservar água para consumo e fins agrícolas. Depois das
revoluções industriais, seu uso se multiplicou, abrangendo áreas que vão do
abastecimento de água, navegação, produção de energia elétrica à extração de
minerais usados na fabricação do aço e até dos celulares que usamos.
Infelizmente são lembradas por tragédias como a de South Fork (EUA), com mais
de 2 mil mortos em 1889.
Como com quase todos os instrumentos civilizatórios, os
benefícios viram ameaça quando se tem uma gestão mal feita. É, portanto, sob
este prisma que se deve avaliar os dois acidentes recentes de Mariana e
Brumadinho, ambos envolvendo mineradoras vinculadas à Vale do Rio Doce e
barragens construídas para acumular dejetos, pela técnica de alteamento a
montante.
Antes de entrar no mérito, é preciso lembrar que o
arcabouço normativo do Brasil para a construção e manutenção de barragens é
solido. Promulgada em 2010, a Lei Federal 12.334/10 criou a Política Nacional
de Segurança de Barragens, que é regulamentada por resoluções e portarias das
agências reguladoras de Águas, de Energia Elétrica e de Mineração.
Os regulamentos exigem vistorias periódicas, planos de
atuação em emergência e de segurança. Além deles, há extensa bibliografia de
engenharia, como os estudos da Comissão Internacional de Grandes Barragens (ICOLD),
fundada em 1928 e cujo espelho nacional é o Comitê Brasileiro de Barragens.
Guias para uma boa prática, com efeito, não faltam, mas precisam ser seguidos.
Apesar de a Vale ter comunicado oficialmente estar em dia
com as revisões e inspeções periódicas, perguntas ainda carecem de respostas. A
principal delas é por que, mesmo tendo um plano para emergências, a mineradora
manteve áreas com pessoas, como um refeitório e escritórios, sem considerar
que, num caso extremo, estas seriam atingidas.
É de assustar que após Mariana não tenham sido feitos
estudos exaustivos de ruptura de barragens – os dam break – para Brumadinho e
as barragens da Vale, cuja técnica de construção é sabidamente precária. Tais
estudos demonstrariam áreas a jusante a serem preservadas de ocupação humana,
com custos de eventuais realocações de propriedades e populações muito menores
que o das vidas perdidas. As investigações dirão como foram conduzidos os
estudos de risco e por que não foram seguidos.
Os impactos de Brumadinho estão postos. Poderão
significar recrudescimento da regulamentação e, fatalmente, obrigarão o mercado
minerário a adotar nova postura, inclusive quanto ao compliance. Mas a lição
que sobressai é que, em Engenharia, improvisações dão muito errado.
É de se lamentar que, em um país referência mundial em
barragens – como aquelas de empresas do setor elétrico, construídas a seco com
materiais selecionados ou concreto, com grande controle de qualidade e os
devidos cuidados nas fundações e ombreiras (nunca com rejeitos lançados) –,
tenhamos sofrido dois acidentes de grandes dimensões num período de apenas três
anos.
José Antunes Sobrinho, acionista da Nova Engevix, é
engenheiro civil especializado em Obras Hidráulicas na Holanda.
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