Por Renato Sant'Ana - Direito sem juridiquês


         Quem disse que ter noções de Direito é exclusividade de bacharéis? Oh, não! Há conceitos e valores que todo e qualquer cidadão responsável deveria cultivar. E não precisa incorrer no "juspedantismo", aquela língua estranha dos operadores do Direito. Vejamos em casos concretos
          São dois. No primeiro, uma senhora, que morava perto da linha do trem, chamou um marceneiro para prestar um serviço. "Quando o trem passa", disse ela ao artífice, "o meu roupeiro faz um barulho muito estranho, chega a dar medo."
          Depois de examinar o móvel, ele propôs: "Vou entrar no roupeiro e, quando o trem passar, verei por dentro o que ocorre." E assim fez.
          Aos poucos minutos, antes do trem, chegou o marido da senhora, que, por acaso, foi logo abrindo o roupeiro.
          "Ah, meu amigo", disse o marceneiro, "se eu lhe disser que estou aqui esperando o trem, o senhor não vai acreditar!" E se lamentou: "Como poderei eu provar a verdade?"
          Pois é. Às vezes, o que parece só parece, mas não é. Eis por que a Constituição Federal é pressurosa ao garantir aos litigantes e aos acusados em geral "o contraditório e ampla defesa": liberdade para apresentar provas e um terceiro imparcial para julgar.
          No segundo caso, o marido foi advertido de que a patroa todo dia recebia uma visita de calças, chapéu e bigode. E decidiu dar uma incerta, voltando para casa em hora inesperada - indo direto ao roupeiro.
          Ali, entre vestidos e blusas da mulher, ele encontrou uma figura de calças, chapéu e bigode. Mas os suspeitos logo passaram a negar tudo!
          Acontece que, além do flagrante, houve o testemunho das vizinhas e vários vídeos gravados no celular, com entradas e saídas do gabiru. E a empregada (cúmplice da patroa) bateu com a língua nos dentes, tipo assim, delação premiada...
          Agora, se o sujeito de calças, chapéu e bigode falasse que ali estava a esperar o trem, faria sentido? Bem, não é de duvidar que os partidários dos envolvidos adotassem essa versão.
          Pois é. Embora aqueles dois não tenham sido apanhados em "atos reprováveis", nesse caso as suspeitas foram confirmadas e poderão ser alegadas se houver litígio entre as partes. O fundamento jurídico é este: "várias circunstâncias formam um indício, e vários indícios formam uma prova", é a Teoria das Provas.
          Lembram o caso do goleiro Bruno? O cadáver de Eliza Samudio nunca apareceu. E não existem imagens do crime. Mesmo assim, houve elementos consistentes para a condenação dos criminosos.
          Haveremos de evocar esse fundamento, quando, por exemplo, artistas teleguiados usarem a condição de celebridade para propagar que determinado líder político foi condenado sem provas, só porque o fulano jamais passou recibo das vantagens indevidas que recebeu de nossos gentis empreiteiros...

- Renato Sant'Ana é psicólogo e advogado.

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