Sabe o que mais me surpreende em todas essas mensagens do
Intercept? Não, não são conteúdos pra lá de reveladores. O que é de espantar é
a ética pendular adotada por alguns jornalistas e órgãos de imprensa e arautos
da moralidade diante do fato: sim, alguns se travestem de um súbito e
implacável espírito legalista.
Acho espetacular! Só não é coerente. Pois em muitos
outros casos do passado, a imprensa se lambuzou com conteúdos de origem
cri-mi-no-sa e… fez isso corretamente! Pois o fez em nome do interesse público.
Com isso não quero dizer que o ministro Sergio Moro não mereça toda a
solidariedade e o respeito, sobretudo por tudo de bom que a Lava Jato fez pelo
Brasil, especialmente no tocante ao quesito corajoso do combate à corrupção.
Mas… por favor, colegas, arautos, a liberdade de expressão permite tudo,
permite inclusive incoerências. Mas a História está aí. Desculpem.
Ora, alguém se esquece da “Tele Gangue”, o escândalo que
abalou o segundo governo Fernando Henrique Cardoso? Eram só gravações
clandestinas. Só e apenas isso. Feitas contra as maiores autoridades da
República. E… toda a imprensa, todinha, se esbaldou nela sem dó nem piedade.
Sem contar a compra de votos para a reeleição de FHC. Gravações de um tal de
Senhor X. Eram provas do ponto de vista jurídico inquestionáveis? Talvez sim,
talvez não. E o essencial: eram relevantes? Eram. E era o que importava.
E o Mensalão? Sim, ele mesmo. O primeiro abalo moral do
petismo. Mostrava uma filmagem de um
funcionário de quinto escalão dos correios, Maurício Marinho, recebendo 5 mil
reais. Gravação legal? Ora pois! Mas foi veiculada e se a internet existisse
naquela época com a força de hoje poderíamos dizer que “viralizou”.
Agora mesmo, com Neymar: todo mundo se preocupou em dar
uma olhadinha na legislação para saber se aquelas imagens amplamente difundidas
em reportagens e portais eram compatíveis com as leis e os princípios digitais?
E o que dizer de todos, to-dos, todinhos, sem exceção, absolutamente todos, os
escândalos dos últimos anos?
Ora, senhoras leitoras, senhores leitores, toda vez que
vocês esbarram com o chamado “furo” de uma investigação o que está acontecendo
ali quase sempre tem também um outro nome: ilegalidade. Quer ver? Alguma
emissora ou jornal ficou choramingando as horas e horas de vazamento i-le-gal
sobre a contabilidade do senador Flávio Bolsonaro? Não! E não fizeram isso
porque não estavam cometendo crime nenhum. Crime estava cometendo, e cometeu, a
autoridade que quebrou a inviolabilidade do segredo de justiça.
Os jornalistas que obtiveram a informação, mesmo que de
fonte i-le-gal, fizeram… jornalismo. E eu não vi matérias nas mesmas emissoras
e nos mesmos jornais que publicaram esses fatos se autoquestionando por estarem
cumprindo sua missão com a sociedade: trazerem fatos relevantes ao público,
fazendo, assim, jornalismo. E o que dizer da própria Lava Jato? Não falo em
relação ao PT ou em relação ao ex-presidente Lula não. Falo em relação a todos
os investigados.
Ora, foi o maior festival mundial de vazamentos de
informações, dados bancários, áudios, documentos, contas no Brasil e no
exterior de que já se teve notícia. E tudo isso virou notícia. E, assim como a
operação Mãos Limpas, essa imprensa sempre afiada e inundada por denúncias
tóxicas enauseou a sociedade e deu forças para que a investigação avançasse.
E agora vem-se falar de origem criminosa dos conteúdos?
Com todo o respeito: todos os vazamentos dos últimos anos foram criminosos e se
justificaram no fiapo moral de sua relevância para a sociedade. E entender os
critérios de funcionamento dessa que é a mais importante operação de combate à
corrupção da história do Brasil não é uma justificativa para além do razoável?
Discutir origens nesse caso, sem que jamais se tenha
discutido em todos os outros, é apenas um subterfúgio para não discutir o caso
e suas revelações. Por que a Lava Jato, tão ciente dessa barbaridade agora, não
se levantou com o mesmo vigor em todos esses e outros casos do passado?
Ou todos os áudios e vídeos da JBS que vazaram vieram a
público de maneira absolutamente legal? Claro que não! E ainda assim serviriam
para estraçalhar próceres de diversos partidos. Lembra da gravação do Aécio? Do
Temer? Da foto dos milhões atribuídos ao Geddel? De todas as delações premiadas
amplamente difundidas, em vídeo? Das horas de filmagens falando horrores de
todos os políticos?
Pois é: nada daquilo podia estar nas telas, nos jornais
ou nas rádios, nos portais. Era cri-me, ilegal. E de onde surge agora o Supremo
Tribunal Federal da Ética Jornalística para atuar e atuar num caso só? A
imprensa estava fazendo jornalismo, como é jornalismo colocar para a sociedade
segredos dos poderosos, mesmo que da Lava Jato.
Os criminosos é que devem ser punidos e não a imprensa se
autoquestionar, sobretudo isoladamente, seletivamente. Ah, sim: e o famoso
“cheque do Fiat Elba”, o fragmento tão festejado da hoje bolorenta CPI do caso
PC Farias? Foi a “prova” de que o então presidente Collor mantinha laços com as
contas fantasmas de PC Farias. Não me lembro de ninguém falar que a origem
daquele vazamento era um crime. E era, pois se tratava de documento sob segredo
de Justiça.
Sabe qual é o problema das moralidades de ocasião? A
História. Essa menina travessa que desmascara e põe a nu as contradições e
imposturas.
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