Artigo, Fabrício Scalzilli* - Aeroporto de Porto Alegre, Fraport, MP, ANAC & Cia: É o Sistema, Estúpido!
Resolvi, sem pedir licença, opinar sobre o enrosco
envolvendo a empresa alemã Fraport, concessionária do aeroporto Salgado Filho
de Porto Alegre, quanto a questão do dever ou não de indenizar as famílias da
Vila Nazaré, bancando a sua transferência do local, para expansão da pista do
aeroporto.
Não quero gastar energia analisando os argumentos dos
dois lados, mas quero trazer luz a uma questão que fica geralmente em segundo
plano, mas é crucial, ainda mais no momento em que se discute
desburocratização, clareza e objetividade nas regras.
Para mim a questão é puramente simples: ou tem falta de
boa-fé ou incompetência de um dos lados. Se bem que no Brasil, ambos conceitos
teimam em andar juntos, infiltrados no cotidiano do país.
Vamos aos argumentos: A Fraport venceu a licitação do
aeroporto Salgado Filho e assinou contrato de concessão por 25 anos em
28/07/2017. Em junho de 2019, quase 2 anos depois, o Ministério Público Federal
e a Defensoria Pública da União divulgaram uma recomendação à empresa, para que
esta pagasse os custos de remoção das famílias do entorno do aeroporto,
localizadas na Vila Nazaré, os quais foram estimados em quase 150 milhões de
reais. A licitação certamente teve anos de preparação. Construiu-se um edital,
teve audiência pública e atravessou-se todos os trâmites legais, culminando com
um contrato de concessão. A questão, portanto, é ou deveria ser simples: Estar
escrito de forma clara no documento, com uma frase, talvez duas, se a empresa
vencedora seria ou não responsável pela retirada das famílias ou deveria pagar
alguma indenização, etc. Não tem como puxar para lá ou para cá, com
interpretações hermenêuticas a serviço de um lado ou outro. Ou é devido ou não
é devido.
A empresa diz que não há obrigação em contrato de
concessão que imponha os custos de transferência. Ponto. Está lá ou não está?
Pois assumir quase R$ 150 milhões de reais de contingências, em tese, não
previstas, numa empresa privada, não é simples assim. Se não previram isso
foram incompetentes; se está no contrato e não querem pagar, estariam agindo de
má-fé. Mas se terceiros, com sua competência, estão empurrando de graça a conta
para a empresa que não lhe cabe, aí o caldo entornou de vez.
Não vou aqui me aprofundar também no consórcio de
argumentos do Ministério Público Federal e Defensoria Pública, pois a questão
não é construir uma tese jurídica. Vale aqui a mesma lógica. Está no contrato
ou não está? Simples assim! Se está, estão cumprindo o dever de zelo de exigir
da empresa a obrigação; se não está, estão agindo com oportunismo, visão
ideológica, excesso de convicção ou qualquer outro motivo que os motivem neste
caso.
Fato que talvez, infelizmente, ambos os lados tenham bons
argumentos. Por isso me aproprio aqui da frase de James Carville, que em 1992
justificou a vitória de Bill Cliinton, então governador do Arkansas, sobre o
favorito George Bush com a alcunha: “é a economia, estúpido”. Adapto ao título
deste artigo, pois no final das contas é o sistema; o nosso sistema, com
interpretações casuísticas, em prol de determinados grupos e ideologias que
afundam o Rio Grande do Sul na rabeira do Brasil em diversos indicadores.
Burocracia não se acaba com decreto ou com criação de pacto de inovação ou
qualquer outro tipo de retórica. A mudança é profunda, cultural e com
envolvimento de todos. Acompanhar esse caso seria quase que um dever cívico.
Está ou não está no contrato? Se não está e não foi o acordado é um crime o que
estaríamos fazendo com a empresa alemã e mais ainda com todo ambiente de
mercado do Sul. A tal insegurança jurídica, com ou sem viés ideológico se
sobrepões mais uma vez. Se assim o for corremos o risco da empresa
concessionária estar contando os dias para que os 25 anos passem logo para
entregarem a concessão. Paciência, só mais uma empresa indo embora! No entanto,
desde já no concentrado mercado europeu, empresas se falam. Queiramos ou
rezemos para que esta não seja a conversa da Fraport lá fora: não façam negócio
no Rio Grande do Sul, eles não cumprem contratos; tudo lá é muito estranho.
Agora se está no contrato, parabéns ao MPF e a Defensoria Pública, agiram com
zelo como manda a constituição. Ponto. Assim é a regra. Simples assim.
* Fabricio Nedel Scalzilli
Advogado
Sócio da Nello Investimentos
A questão é realmente muito simples! Mas no Brasil um promotor pode meter o bedelho em um contrato juridicamente perfeito e sempre tem um juiz que, mesmo sem entender do assunto, dá uma liminar embaralhando todo o processo. Depois tem a primeira instância, a segunda, a terceira , o STF e daqui a 25 anos, depois que encerrar o prazo da concessão, se terá uma solução que não tem mais valor. E a pista não foi prolongada!
ResponderExcluir...e a gauchada, nesse meio tempo, nem se deu conta ou sentiu falta do quê significaria para a economia do RS tal aumento de pista de seu principal aeroporto.
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