Diante de tanta histeria, fui examinar
na Lei nº 13.964/2019 o que danado significa a figura do juiz das garantias.
Primeiro, é preciso esclarecer: sequer é uma invencionice brasileira. Diversos
ordenamentos jurídicos têm algo semelhante.
Depois, algo precisa ficar muito claro:
não se trata de uma criação da esquerda. Alguns dos maiores e melhores
defensores da separação entre os juízes da instrução penal e do julgamento são
conservadores sérios e dedicados que vislumbram nisso uma garantia do cidadão.
Garantias legais não são "defesa de
bandido”. É imprescindível que entendamos isso. A Lava Jato foi e é
fundamental, tendo descoberto uma sofisticada rede criminosa. Ponto. Mas as
garantias não existem apenas para assegurar os acusados nessa investigação. Servem
para todos.
Qualquer cidadão pode ser acusado alguma
vez na vida. Assim, garantias servem para coisas básicas: 1) garantir que
sempre haverá um rito prévio a ser seguido; 2) assegurar que, havendo punição,
isso aconteça dentro das regras do jogo; e 3) permitir que o inocente seja
absolvido.
Todos os regimes totalitários afastaram
esses direitos básicos dos cidadãos. Todos. Não me venha dizer que garantir o
direito de defesa é compactuar com qualquer tipo de crime. Nunca foi/será. Na
URSS stalinista, pensava-se assim. Um absurdo.
Pois bem. No art. 3º-C do Código de
Processo Penal, resta claro que a competência do juiz das garantias "cessa
com o recebimento da denúncia ou queixa”. Portanto, não é uma figura que vai
comandar a instrução penal inteira. Cuidará do inquérito e das questões que
surgem nele.
O juiz das garantias não será um
indicado político. Será um juiz regularmente aprovado em concurso público. Se
precisamos confiar no juiz que fará a instrução e o julgamento, por que essa
desconfiança absurda sobre aquele que comandará o inquérito? Qual o fundamento
para isso?
No art. 3º-C, § 2º, lemos que o juiz da
instrução e do julgamento não ficará vinculado às decisões do primeiro
magistrado. No art. 3º-D, vemos que haverá rodízio de juízes para garantir a
presença do juiz de garantias. Ou seja, estamos diante de previsões legais
razoáveis.
No Projeto Anticrime sancionado,
diversos avanços sensíveis na legislação foram alcançados, mas os analistas de
plantão resolveram que um único instituto é a desgraça do Brasil que poderia
ser maravilhoso e só não é por conta da vontade terrível do atual PR. Narrativa
tosca.
Se não fosse o atual PR, sequer
estaríamos falando em Lei Anticrime, mas isso parece banal para aqueles que
querem o mundo exatamente como planejado nas suas mentes perfeitas. Ou a
perfeição, ou a derrota absoluta. Para eles, não existe, entre o erro e a
perfeição, o possível.
Assim, são criadas narrativas fatalistas
que podem enfraquecer o único político de direita com força para vencer uma eleição.
Se houvesse um escândalo de corrupção, aí não caberia mais falar em estratégia,
mas, diante do “juiz das garantias”, essa gritaria perde qualquer sentido.
Asseguro, para quem tem uma preocupação
real com o combate à corrupção, que o juiz das garantias não representa uma
derrota e que, no nosso ordenamento jurídico, é possível avançar muito nessa
área sem ferir qualquer garantia fundamental.
Alerto, por fim, que entre a derrota
fatal e a perfeição existe o possível. O possível até parece chato, mas ele nos
sustenta contra a tirania. Construir exige tempo. Destruir é rápido. O
conservadorismo não é fácil: é ter coragem para sustentar quando muitos querem
derrubar.
Para mim foi importante ler este artigo. Já tava tentando entender como Bolsonaro havia aceito tal jabuti. Agora estou mais sereno para conversar sobre a questão.
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