- Esta análise é dos economistas do Bradesco e foram entregues, hoje, ao editor.
o Restrições cada vez mais amplas sobre o movimento da população para conter a transmissão do Covid-19 têm sido acompanhadas por medidas econômicas para mitigar o dano sobre o balanço das famílias e empresas. Em todo o mundo, vemos ações de isolamento social para conter a velocidade de transmissão da doença e, com isso, preservar a capacidade de atendimento dos sistemas de saúde. No entanto, o efeito dessa ação será uma espécie de “hibernação” da atividade econômica de duração incerta, e caberá à política econômica o papel de evitar que essa fase se torne uma depressão, ou mesmo contamine a economia real a ponto de inviabilizar uma normalização relativamente rápida da atividade econômica depois que a crise de saúde pública estiver controlada.
o A China foi o primeiro país a ser afetado pelo Covid-19 e o shutdown das províncias mais severamente afetadas – antes que o surto se espalhasse por todo o país – estabeleceu um roteiro sugestivo, que tem sido utilizado nos demais países. A transmissão local da doença na China arrefeceu e os primeiros sinais de retorno à normalidade começam a aparecer. Entretanto, como o grau de imunidade populacional ainda é baixo, o risco de um segundo surto ainda é elevado e, recentemente, novas medidas de restrição têm sido impostas na Ásia e em Wuhan, epicentro da doença na China, justamente para mitigar esse risco. Diante de novos casos, o governo chinês optou por estender as medidas restritivas a Wuhan até dia 8 de abril (inicialmente seriam afrouxadas em 25 de março). Ainda assim, caso o processo de normalização siga seu curso, é provável que a demanda chinesa – a ser estimulada por ações governamentais – poderá ter um papel importante no processo de recuperação da economia mundial, mesmo que insuficiente. As projeções para a economia dos Estados Unidos no segundo trimestre têm convergido para uma contração de duplo dígito e a queda do PIB da Área do Euro não deve ficar longe disso – mesmo considerando que as redes de proteção social europeia talvez ajudem a amortecer os efeitos secundários do choque econômico.
o Como na crise de 2008, os bancos centrais estão na linha de frente, buscando evitar disfuncionalidades nos mercados financeiros. O risco a ser controlado é evitar que a demanda por liquidez dos agentes econômicos – em reação ao choque de confiança e à incerteza – cause convulsões nos mercados, minando as cadeias de pagamentos. Além disso, em uma crise de grandes proporções, as decisões das empresas para preservar o caixa podem não só reforçar o processo recessivo, mas até mesmo criar obstáculos para a recuperação delas próprias depois que o surto do Covid-19 for controlado. O papel da política econômica nessas horas é de conter o efeito agregado das decisões individuais e dar condições para que os empresários continuem levando o cenário de médio e longo prazo em consideração em suas decisões.
o Os bancos centrais têm agido mais rápido do que em 2008/2009. Em parte, porque puderam reaproveitar mecanismos e programas desenvolvidos ao longo de vários anos após a crise de 2008 para lidar com o cenário inédito de risco de deflação em um ambiente de juros próximos a zero. Outra lição aprendida a partir de 2008, e posta em prática nos últimos dias, é a importância de se agir rapidamente e com firmeza. Na prática, os bancos centrais entraram no modo “faremos o que for necessário” nos primeiros dias da crise.
o Tal postura é desejável, pois ao contrário de crises anteriores, a natureza dessa crise é de ordem de saúde pública e não de gestão de negócios. Não há contingência possível para muitas empresas afetadas em seus negócios, com receitas e lucros cessantes. Em geral, parece haver mais disposição política global para que os governos ofereçam estímulos e, se necessário, resgatem empresas e famílias em dificuldade.
o Trata-se de um choque muito severo, mas que tende a ser temporário, mesmo que se prove mais longo do que imaginado inicialmente. E, nesse caso, cabe à política econômica e ao crédito (público e privado) suavizarem o ciclo econômico para se evitar uma depressão. Os bancos centrais têm os instrumentos e mostram disposição para mitigar os riscos associados ao empoçamento de liquidez. No entanto, a crise também tem um impacto sobre o balanço das empresas e das famílias. Para muitos setores, parte importante dos prejuízos com a perda de vendas (e no caso das famílias, de renda) não será reposta quando a crise sanitária ficar para trás – especialmente no setor de serviços. Caso isso dificulte a recuperação pós crise e gere uma perda permanente de bem-estar da sociedade, faz sentido que ao menos parte dessas perdas sejam absorvidas pelo governo. Esse é o papel da política econômica em situações como essas. Além disso, as políticas a serem implementadas precisam ser transitórias para que não haja deterioração fiscal permanente em nenhum lugar. Se bem desenhadas, seu efeito final sobre a dinâmica da dívida pública dos países pode ser neutro ou apenas marginalmente negativo.
o O objetivo tem que ser evitar um cenário de quebras em série na economia que inviabilizariam a própria recuperação. Não é um argumento para que o governo assuma os riscos privados de um negócio, mas justificável nesse momento, em que se “ganha” tempo contra a doença, para evitar que a paralisação temporária gere perdas permanentes. Um exemplo disso foi o anúncio de que ao mesmo tempo em que estava ordenando o fechamento de negócios não essenciais, o governo britânico se comprometeu a pagar parte da folha de salário das empresas enquanto as medidas de distanciamento social permanecessem em vigor. Todo esse debate evolui enquanto falamos e as quarentenas aplicadas em vários países visam também “ganhar” tempo para que essas decisões sejam tomadas.
o Não se sabe por quanto tempo a economia mundial ficará em “hibernação”, apenas que a crise tende a ser temporária se for bem administrada. Cabe à política econômica reduzir o impacto desse
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