Artigo, Adão Paiani - Gleise e a verdade inconveniente

*Adão Paiani é advogado em Brasília/DF, onde atua junto aos Tribunais Superiores.

Em sessão realizada no último dia 20/09 na Comissão Especial da Câmara dos Deputados instalada para discutir a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 9/23, que proíbe a aplicação de sanções a partidos políticos por descumprimento da cota mínima de recursos para as candidaturas femininas até as eleições de 2022, ou pelas prestações de contas anteriores a 05 de abril de 2022, data em que foi promulgada a Emenda Constitucional 117; a Deputada Gleise Hoffmann, presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), defendeu o fim da Justiça Eleitoral, afirmando que a existência da instituição é um absurdo. Ato contínuo, o Ministro Alexandre de Moraes emitiu nota oficial “repudiando” a fala da dirigente partidária. 

É simplista e equivocada a ideia, fomentada principalmente pelos meios de comunicação, que a PEC 9/23 “beneficia” partidos políticos que “descumpriram a legislação”; quando o questionamento deve ser anterior a isso, ou seja, se as regras estabelecidas sob influência e pressão de um órgão eleitoral são exequíveis ou servem apenas para estabelecer uma tutela sobre a democracia e o processo eleitoral através da criminalização da atividade política.  

Não é preciso ter qualquer afinidade política, ideológica ou mesmo simpatia pessoal pela presidente petista, mas apenas exercitar a lógica, usar o bom-senso, exercer a coerência e defender a plenitude democrática, para ser levado a concordar com a senhora Gleise Hoffmann, louvando sua coragem em abordar um tema que poucos se dispõem a discutir, mas que é essencial para compreendermos o que está sendo feito com a democracia neste país. 

Como aprendi certa vez com o grande mestre, amigo, líder e atual governador de Goiás, Dr. Ronaldo Caiado, precisamos ter a nobreza de reconhecer o acerto daqueles com quem, eventualmente, temos divergências. E Gleise acertou.

A Justiça Eleitoral é uma excrescência sob todos os aspectos pelos quais possa ser avaliada. Não chega a ser exatamente uma jabuticaba, como é comparada para se dizer que existiria apenas no Brasil, visto que estruturas similares existem em pouco mais de meia dúzia de países no mundo; mas sem a menor sombra de dúvida apenas em nosso país um órgão como esse tem o poder e a capacidade de se sobrepor à soberania e ao respeito devido à vontade popular, base de qualquer democracia que queira ser reconhecida como tal. 

No Brasil, ao invés de organizar, conduzir e zelar pela lisura das eleições, que deveriam ser suas únicas atribuições, observando as regras estabelecidas pelo Poder Legislativo, a "justiça eleitoral" (assim mesmo, em letras bem minúsculas e entre aspas) se põe a legislar e criar normas absurdas, draconianas e muitas vezes inexequíveis, desestabilizando, deslegitimando, subvertendo, interferindo e violentando, muitas vezes, a decisão popular expressa nas urnas; ou mesmo impedindo que essa possa ser manifestada. 
No Brasil da "justiça eleitoral" o eleitor não decide nada, quem efetivamente determina quem concorre, assume, exerce ou não um mandato popular são os representantes de um órgão que não recebeu nenhuma competência para tal, mas que se atribuiu, ao longo dos anos, um poder quase absoluto de se impor à vontade dos eleitores. 
Se for para continuarmos a admitir isso, seria mais coerente acabar com os partidos políticos, as eleições e, consequentemente, com a própria democracia, deixando que a “justiça eleitoral” indique diretamente os ocupantes dos cargos eletivos; o que parece ser  a vontade inequívoca de alguns.
Há quase uma década e meia tenho defendido em Brasília, nos espaços onde atuo, com a veemência necessária às verdades inconvenientes, a revisão do papel e as limitações que devem ser impostas às atribuições da “justiça eleitoral”, pelo bem e preservação da democracia brasileira.
É preciso coragem para dizer isso com todas as letras, mas é imprescindível e necessário que se faça. Espero que outros agentes políticos sigam a fala da dirigente petista, independente de quaisquer questões envolvendo coloração partidária ou visão de mundo, e tenham a coragem de denunciar as ações da "justiça eleitoral" como fator de desestabilização da democracia brasileira. 
Quanto ao "repúdio" do Ministro Alexandre de Moraes, esse em nada surpreende, vindo de onde vem; sendo desnecessário fazer qualquer consideração maior a esse respeito.


Nenhum comentário:

Postar um comentário