Quem é a mulher que vai comandar um dos maiores bancos de
fomento do mundo. Conheça seu estilo e saiba o que pode mudar nas políticas da
instituição financeira
Márcio Kroehn e Ralphe Manzoni Jr.
O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, encontrou-se no sábado, 14 de maio, com o presidente
Michel Temer, em sua residência, no bairro de Alto de Pinheiros, na zona Oeste
da capital paulista. Na conversa com o dirigente empresarial, Temer pediu
sugestões de potenciais nomes para ocupar a principal cadeira do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no lugar de Luciano Coutinho.
Skaf ouviu as considerações e voltou, no dia seguinte, com a indicação de Maria
Silvia Bastos Marques, de 59 anos, para o posto.
Contava a favor da executiva o fato de ter trabalhado na
iniciativa privada (CSN e Icatu) e em administrações públicas (o próprio BNDES
e a prefeitura do Rio de Janeiro), com gestões avaliadas como bem-sucedidas.
Temer escutou os argumentos de Skaf e disse que consultaria os principais nomes
de sua equipe econômica. No início da tarde de segunda-feira 16, o presidente
da Fiesp recebeu o sinal verde presidencial para ligar para Maria Silvia e sondá-la.
A executiva, que atuava como assessora especial do
prefeito do Rio, Eduardo Paes, se mostrou receptiva ao convite e afirmou que
faria de tudo para ajudar. No meio da conversa ainda brincou. "O
presidente Fernando Henrique Cardoso vai ficar chateado comigo, pois recusei um
convite dele para dirigir a Petrobras", teria dito ela, que na época
preferiu permanecer à frente da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). No fim da
tarde daquele dia, Maria Silvia foi confirmada como a nova presidente do BNDES.
"Foi uma ótima escolha", disse Romero Jucá, ministro do Planejamento,
a quem a nova chefe do BNDES será subordinada.
De uma tacada só, Temer conseguiu atingir dois alvos com
a nomeação de Maria Silvia, que só deve tomar posse no começo de junho. Pressionado
por não ter nenhum nome feminino no seu ministério, o presidente colocou uma
mulher num dos postos mais importantes para a iniciativa privada. Ao mesmo
tempo, a escolha de Maria Silvia agradou ao setor produtivo. Depoimentos
colhidos por DINHEIRO descrevem a nova presidente do BNDES como uma executiva
competente, inteligente e focada. "Ela tem uma habilidade muito grande
para montar equipes e rapidamente diagnosticar erros e promover
correções", afirma Carlos Alberto Tessarollo, diretor financeiro da BR
Distribuidora, que trabalhou com Maria Silvia por seis anos na CSN. "No
começo, podem ocorrer sofrimentos, mas no final é um sucesso."
Maria Silvia é formada em administração pública pela
Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, mas foi pesquisadora na PUC-RJ, cuja
linha de pensamento econômico ortodoxa difere da progressista Unicamp, berço do
atual presidente, Luciano Coutinho. Sua atuação profissional foi forjada na
onda de liberação da economia, iniciada nos governos de Fernando Collor de
Mello e de Fernando Henrique Cardoso, nos anos 1990. Sua escolha é uma
indicação de que a política de campeões nacionais, capitaneada por Coutinho nos
últimos nove anos que esteve à frente do banco, acabe. A instituição deve
também reavaliar sua participação nas concessões de infraestrutura.
Até agora, no entanto, os sinais do novo governo sobre o
papel do BNDES em uma gestão Temer não são claros. "Vamos ter de repensar
esse modelo", disse Moreira Franco, secretário executivo do Programa de
Parcerias de Investimentos (PPI), após reunião com representantes da cúpula do
ministério dos Transportes. "É fundamental que incorporemos outros agentes
financeiros e que bancos privados entrem nesse processo com financiamentos de
longo prazo." Em um evento na sede do BNDES, no Rio de Janeiro, na
quarta-feira, 18, Jucá disse que a instituição "tem papel destacado no
movimento que faremos a favor do País", sem explicar qual é esse
movimento. Na tarde de quinta-feira 19, Maria Silvia estava reunida, em
Brasília, com Jucá e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, um sinal de que
o ministro da Fazenda pode ter alguma ascendência sobre a nova gestão do BNDES.
CAMPEÕES NACIONAIS
A executiva Maria Silvia herda um dos maiores bancos de
fomento do mundo, cujos ativos somam R$ 930,6 bilhões, um crescimento de seis
vezes desde 2002, quando as administrações petistas passaram a comandar a
instituição. Os desembolsos também deram um grande salto. Em 2007, eles
atingiram R$ 69,4 bilhões. Seu ponto mais alto foi alcançado em 2013, quando
chegaram a R$ 190,4 bilhões. A partir daí, começaram a cair. No ano passado, os
empréstimos somaram R$ 135,9 bilhões. No primeiro trimestre de 2016, eles foram
de R$ 18,1 bilhões, uma queda de 46% na comparação com o mesmo período do ano
passado.
A expectativa das pessoas ouvidas por DINHEIRO é que
Maria Silvia reveja as políticas de Coutinho. Em sua gestão, o banco de fomento
fez de tudo sob o conceito de "desenvolvimentismo". Debaixo desse
guarda-chuva, cabia financiamentos subsidiados a multinacionais, socorro a
empresas em dificuldades, como a fabricante de celulose Aracruz e a de
alimentos Sadia, e o patrocínio de grandes fusões, como a das empresas de
telefonia Telemar e Brasil Telecom, que deu origem a Oi, hoje, enfrentando
enormes dificuldades financeiras por conta de sua dívida bilionária. "O
BNDES acabou se tornando um instrumento de repasse de subsídios e favores para
o setor privado e de uma forma pouco criteriosa", diz Sérgio Lazzarini,
professor do Insper e autor do livro Capitalismo de Laços, que analisa essa
relação simbiótica entre Estado e empresários. "Foram dados muitos
recursos para quem não precisava."
A missão de Maria Silvia é dar uma guinada nessa
política. Mas há muitos desafios, bem como pressões políticas para fazer essa
mudança. Ao longo dos anos, os empresários se acostumaram com a ajuda
"amiga" do BNDES, que foi criado pelo presidente Getúlio Vargas, em
1952. Nos anos 1980, por exemplo, o banco era um autêntico hospital que
socorria qualquer empresa em dificuldade. Na época, ajudou na criação de
empresas pouco competitivas, como as que nasceram sob a Lei de Informática. Com
isso, ganhou o apelido de "Recreio dos Bandeirantes", por ajudar
industriais paulistas a obter dinheiro fácil. Na década seguinte, a instituição
se tornou a grande articuladora das privatizações, desenhando o modelo de
vendas de estatais e participando dos consórcios compradores.
Agora, o BNDES, ao que tudo indica, terá de se
reinventar. "Será preciso rever o papel do BNDESPar (braço que compra
participações em empresas), os procedimentos de empréstimos, as taxas de juros
subsidiadas e o financiamento de concessões", afirma Elena Landau, que foi
diretora do BNDES de 1994 a 1996, responsável pelo programa de desestatização
na gestão de FHC. "É uma agenda enorme a ser trabalhada." O
ex-presidente do BNDES de 2006 a 2007, Demian Fiocca, não concorda. "O
banco tem um papel de fomento na economia e isso não muda", diz ele, que
hoje é sócio da Mare Investimentos, fundo de private equity voltado ao setor de
petróleo e gás. "O tipo de diretriz que a nova gestão da Maria Silvia
tende a fazer é mais de ajuste fino do que uma reviravolta."
PREFEITA
A trajetória de Maria Silva pode dar pistas do que se
pode esperar de sua gestão à frente do BNDES. De 1993 a 1996, a executiva foi
secretária de Finanças da prefeitura do Rio de Janeiro na gestão de Cesar Maia,
conseguindo contornar uma situação dramática de caixa. No fim de seu mandato,
deixou um crédito de US$ 1 bilhão aos cofres públicos, o que lhe valeu o
apelido de "a mulher de US$ 1 bilhão."
Esse não foi o único epíteto que ganhou. Já foi chamada
de "a dama do aço" por sua passagem na CSN. A executiva ficou também
conhecida como a "prefeita da Olimpíada" por dirigir a Empresa
Olímpica Municipal, órgão criado pela prefeitura do Rio para coordenar a
execução dos projetos relacionados à Copa do Mundo de 2014 e os Jogos de 2016. "A
Maria Silvia é competente, firme, dedicada, organizada, direta e
preparada", afirma Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro. "Ela
sabe lidar com diferentes assuntos e compreender os desafios com rapidez."
A mais longa experiência na iniciativa privada de Maria
Silvia aconteceu na CSN. Ela comandou a siderúrgica, comprada pela família
Steinbruch nos leilões de privatização, por seis anos, até 2002. Assumiu
grávida de quatro meses de gêmeos - os filhos Olavo e Catarina, do
relacionamento com o economista Sergio Werlang. Quando eles nasceram, ficou
apenas um mês de licença maternidade e voltou ao trabalho. "O mês que eu
permaneci em casa, realizei reuniões lá", disse ela, em depoimento ao
livro Maternidade: Que delícia! Que sufoco!. "Usei fax, telefone o tempo
inteiro."
Para colocar a CSN no rumo, Maria Silvia teve de tomar
atitudes drásticas, como demitir mais de 20 mil funcionários. Mas conseguiu
conquistar e motivar os empregados com uma medida inusitada, segundo conta
Tessarollo, da BR Distribuidora, que trabalhou com a executiva naquela época.
Ele lembra que, quando assumiu a CSN, Maria Silvia encontrou os funcionários,
principalmente aqueles que trabalhavam na usina de Volta Redonda (RJ), com
baixa estima. Sua decisão foi trocar os uniformes, que eram cinza e deixavam os
homens com aspecto sujo e as mulheres, feias. A executiva contratou designers e
convidou os próprios empregados para irem até a sede da empresa fazer um
desfile com a nova roupa. "Esse processo promoveu uma grande união e eles
passaram a enxergar o alto escalão de forma diferente", diz Tessarollo. A
mudança não ficou restrita ao clima da companhia. Com a mudança de postura, a
CSN bateu recordes e alcançou o topo de alguns indicadores internacionais do
setor, como produtividade por funcionário, segundo Tessarollo.
Quando deixou a CSN, a empresa havia perdido dinheiro com
operações de hedge. Com uma dívida de R$ 4,9 bilhões, grande parte em dólar, a
siderúrgica demorou a adotar um mecanismo de proteção contra a flutuação
cambial. O atraso custou caro. Entre setembro e dezembro de 2001, a empresa
registrou prejuízo de R$ 130,8 milhões. No ano, o lucro foi de R$ 296 milhões,
contra R$ 1,6 bilhão de 2000. "Sobre a operação de hedge, a decisão foi do
conselho", disse ela, em uma entrevista à DINHEIRO, em 2002. "Esse
tipo de operação não é atividade exclusiva da presidente." Depois dessa
experiência, ficou cinco anos fora da iniciativa privada, voltando a atuar na
Icatu Seguros, em 2007. Só deixou a seguradora da família Almeida Braga por um
motivo pessoal. Seu marido, o jornalista Rodolfo Fernandes, diretor de redação
do jornal O Globo teve um sério problema de saúde, morrendo em 2011 em
decorrência de uma doença degenerativa.
Na vida pessoal, Maria Silvia tem hábitos simples.
Natural de Bom Jesus de Itabapoana, cidade de 35 mil habitantes no noroeste do
Rio de Janeiro, ela escolheu a capital carioca para viver. Desde muito jovem,
acorda cedo para se exercitar, sendo vista com frequência correndo pela orla da
praia. É fã do escritor, jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues e gosta de
jogar tênis de praia, um esporte derivado do frescobol. Formada em piano
clássico, ela estudou o instrumento dos 5 aos 18 anos. Mas há muito tempo
deixou de praticar com disciplina. Agora, sua missão será a de carregar o piano
do BNDES.
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A dama de aço de US$ 1 bilhão
Conheça a trajetória profissional de Maria Silvia Bastos
Marques:
Nos anos 1990, trabalhou com o embaixador Jório Dauster
na renegociação da dívida externa brasileira, no governo Collor. Logo depois, foi
para o BNDES
No BNDES, foi assessora do presidente Eduardo Modiano,
onde atuou no programa de privatizações, em 1991 e 1992, durante o governo
Fernando Collor. Trabalhou na venda da fabricante de aviões Embraer e de
empresas do setor petroquímico
Na sequência, esteve à frente da secretaria municipal da
Fazenda do Rio, no governo Cesar Maia. Na época, ficou conhecida como a mulher
de 1 bilhão de dólares , por ter conseguido acumular essa cifra para os cofres
da cidade em seus últimos meses no cargo
Em 1996, grávida de gêmeos, assumiu a Companhia
Siderúrgica Nacional (CSN), controlada por Benjamin Steinbruch (foto). Ganhou o
apelido de "dama do aço" e manteve-se à frente da siderúrgica até
2002
Foi presidente da Icatu, empresa do ramo de seguros, da
família Almeida Braga, de 2007 a 2011
De 2011 a 2014, esteve à frente da Empresa Olímpica
Municipal (EOM), órgão da Prefeitura do Rio responsável por coordenar a
construção das instalações olímpicas. Deixou o cargo no momento mais conturbado
da relação do Comitê Olímpico Internacional (COI) com os organizadores
Depois de deixar a EOM, foi assessora especial do
prefeito, ainda tratando de Olimpíada
A executiva já participou de vários conselhos de
administração de empresas brasileiras e estrangeiras, como Embratel, Petrobras,
Vale e Anglo America
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