Colapso político e econômico facilita o impeachment
Desde pelo menos 2013 o governo de Dilma Rousseff deu
chances ao azar, ao realizar operações heterodoxas com a contabilidade pública,
depois batizadas de pedaladas fiscais. Ao assumir a Presidência, a dívida bruta
federal era de 54,2% do PIB. Ao ser afastada do cargo para enfrentar um
processo de impeachment, a dívida havia saltado para 68,6% do PIB - e deverá
crescer até o fim da década. Sua administração arruinou as contas públicas e
produziu em 2015 um rombo de quase US$ 100 bilhões, o maior desde 1996.
Pode-se produzir um resultado desastroso desses sem ferir
leis. O equilíbrio fiscal não era prioridade do governo Dilma, mas em vez de
assumir as contas no vermelho, prometeu superávits (cada vez menores) e
enfeitou as contas, adiando a progressiva ruína do Estado. Com isso, abriu um
flanco vulnerável legal, que foi aproveitado politicamente por seus
adversários. Quando isso ocorreu, a presidente já havia perdido totalmente as
condições de influenciar o Congresso e, com isso, de governar.
Se os atos de 2015 - créditos suplementares sem aprovação
do Legislativo e não cobertura de pagamentos do Plano Safra ao Banco do Brasil
- são suficientes em si para o impeachment é uma discussão pesada, que "a
população desconhece", como diz José Eduardo Cardozo, advogado de defesa
de Dilma. Haveria menos dúvidas se o fato fosse o rombo de R$ 57 bilhões, a
maior parte em um ano em que a presidente disputava a reeleição - perto do qual
as pedaladas do ano passado parecem irrelevantes. O retrato de 2015 parece
mesquinho, mas o filme, que começou muito antes, é grandioso.
A Constituição, aprovada quando não existia a reeleição,
dispôs que o presidente não pode ser julgado por atos que não ocorreram em seu
mandato. As pedaladas de 2014, maiores e mais visíveis, não poderiam ser usadas
como argumento legal para retirar Dilma do poder sem mais uma longa batalha
judicial. Diante disso, a disputa se envolveu em um cipoal burocrático cheio de
filigranas que, ao que tudo indica, acabará por condenar politicamente a
presidente.
O algoz de Dilma, o deputado Eduardo Cunha, quando
buscava livrar o próprio pescoço da Justiça, negociando com o governo, admitiu
que a pedalada "vem sendo praticada nos últimos 15 anos sem nenhuma
punição" (18 de maio de 2015). Ainda em outubro, Cunha dizia que
"pode existir pedalada e não haver motivação para o impeachment". No
que tinha apoio de economistas como Delfim Netto: "Fazer impeachment disso
é golpe". O próprio ministro do Tribunal de Contas da União, Augusto
Nardes, que reprovou as contas do governo, antes não havia considerado
relevantes outras pedaladas - é certo que não nos montantes atingidos no
governo Dilma.
Mas por que uma questão considerada menor em outros
governos passou a ser central e pode destituir Dilma da Presidência? O PT e
governistas, que não admitem suas responsabilidades no festival de corrupção
revelado pela Lava-Jato, escolheram a tese do golpe, a que melhor lhes convém.
Essa tese torna-se verossímil quando o processo de
impeachment foi levado à frente por um deputado metido até o pescoço em
escândalos, como Cunha, apoiado por uma miríade de partidos fisiológicos que
até ontem apoiavam Dilma e disputavam migalhas do poder, e insuflado por uma
oposição tucana que não aceitou a derrota nas urnas e que, relegando seu
programa, passou a apoiar pautas no Congresso que quebrariam qualquer Estado,
as bombas no Congresso. Além disso, o vice-presidente Michel Temer assinou
alguns dos créditos suplementares contestados. E dezenas de deputados suspeitos
de corrupção apoiaram a derrubada de quem não auferiu vantagem indevidas
enquanto governou.
A incompetência política e o uso de expedientes duvidosos
a serviço de uma orientação econômica que produziu a maior recessão em quase um
século corroeram totalmente o capital político do governo. Dilma ficou isolada,
sem sequer o apoio do PT, amargando enorme impopularidade, mesmo entre os que
haviam nela votado.
Mas quem decide se as pedaladas são suficientes ou não
para derrubar um presidente é o Congresso - Collor caiu por um Fiat Elba e foi
depois absolvido. Não é um passeio aprovar o impeachment - dois terços em dois
turnos na Câmara e no Senado. Os senadores decidem definitivamente a questão
hoje.
como na venezuela e lá o povo sofre muito pior sem poder tirar seu algoz
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