Artigo, Renato Sant'Ana - Crítica ou guerra?

Na relação imprensa versus políticos, é imprescindível que governos
sejam criticados e que governantes saibam responder às críticas com boas
ações. Mas não se pode confundir "crítica" com "guerra ideológica". Nem
exigir passividade a quem é atacado com truculência.

O que grande parte da mídia vem fazendo nos primeiros dias do novo
governo beira a infâmia, revelando um notado propósito de produzir
crises e atingir a pessoa do presidente da República. A título de
exemplo, faça-se a análise de um caso apenas.

Antes, porém, convém explicitar duas premissas. Uma é que o governo
Bolsonaro tem, sim, pontos a serem criticados e, embora qualquer
avaliação definitiva em tão curto tempo seja indevida, não é razoável
pretender blindá-lo. Outra é que cidadãos com clara noção de democracia
não fazem apologia de governo algum, mas contribuem sempre que possível,
inclusive com críticas, para que o governo realize o melhor, tenham ou
não votado nele.

Posto isso, é abjeta a forma com que Igor Gielow, colunista da Folha de
S. Paulo, se empenha em deslegitimar o governo Bolsonaro. Recorrendo à
tática do "sem dizer, dizendo", ele é só mais um a fazer um terceiro
turno de 2018. Pretenderá deseleger o presidente?

Em 23/01/19, sua coluna começa pela desonestidade do título : "Marielle
surge no caso Queiroz para assombrar começo do governo Bolsonaro". Ora,
uma afirmação categórica, usada como título, tende a fixar uma "verdade"
para o leitor médio, que não se caracteriza pelo salutar cepticismo nem
pelo hábito de pesquisar. É na cabeça desse leitor que Gielow se empenha
em meter uma suposta ligação entre Bolsonaro e o "caso Marielle".

E vai em frente: "É portanto irônico que a maior dor de cabeça dessa
alvorada de governo (...) esteja se aproximando lentamente de um outro
cadáver famoso [o de Marielle]". Ah, mas ele depois até admite "total
desconexão entre o papel dos protagonistas e o enredo", isto é, entre
quem matou Marielle e o entorno do presidente. Mas a ressalva vem só
depois de instilar alta dose de veneno!

Ele cuida de teatralizar certa isenção, aludindo a que o espectro de
Celso Daniel (morte até hoje não esclarecida) esteve presente durante o
governo do PT (os 13 anos "com fracassos e sucessos", faz ele questão de
salientar). E logo diz (sem dizer) que o envolvimento do PT no
assassinato de Daniel é "teoria conspiratória". Será que ele, sobre esse
caso, não leu o minucioso relato de José Nêumanne Pinto nem a análise do
experiente policial Romeu Tuma Junior?

"Do ponto de vista de imagem", prossegue Gielow, "a coisa fica
particularmente complicada porque Marielle virou um símbolo, dentro e
fora do Brasil, de vítima de um país truculento e autoritário que não dá
certo, que não protege suas minorias."

Gielow explora um panorama que a mídia, em vez de alimentar, deveria
questionar e transformar, no qual a maior distinção de uma pessoa não é
ter alta eficiência, não é a retidão de caráter, mas, isto sim, a
qualidade de vítima. O esquerdismo investe nesse quadro, fomentando o
vitimismo, dividindo a sociedade e atribuindo um estatuto e um discurso[

A Marielle Franco que a mídia badala é um símbolo criado para esse fim ideológico e destoa da pessoa real. Marielle não é heroína. Mártir não é.
Ela é só mais uma, entre milhares de vítimas. Merece compaixão e, sim, respeito. Só isso. Tudo mais é mistificação. Ao contrário do que a mídia insinua (sem dizer, dizendo), ela não serve de exemplo a ninguém.
A Marielle Franco da mídia é ficção ideológica!

Ela é um ícone, um módulo imagético criado para substituir a explicitação de conceitos, driblar o discernimento dos simples e propagar preconceitos. Ao usar seu nome, Igor Gielow apresenta o ícone que, no computador mental dos desavisados, carrega o aplicativo da indignação e ativa sentimentos de injustiça, o que ele pretende colar na imagem do novo governo. Isso é crítica ou guerra ideológica?





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