Tito Guarniere

Não, não acho que a Câmara dos Deputados tenha “desnaturado” o projeto de lei das “10 Medidas contra a Corrupção”. Os deputados agiram dentro das suas prerrogativas: são eles que fazem as leis. Não existe lei perfeita, nem lei que satisfaça a todos os interessados e envolvidos.
Sem o pacote anticorrupção, objeto da celeuma, os senhores membros do Ministério Público Federal, e juízes como o doutor Sérgio Moro, puderam, perfeitamente, para ficar num único exemplo, levar a cabo de forma corajosa e brilhante a Operação Lava Jato, abrir processos contra meio mundo e botar a outra metade na cadeia.
Não passa semana sem que, em novas etapas da Lava Jato, batizadas com nomes meio extravagantes, policiais federais retirem de casa, logo nas primeiras horas da manhã, figurões da República, empresários de escol, políticos de todas as correntes, para recolhê-los “aos costumes”, como dizia um antigo personagem de Jô Soares. Não dá mais para dizer que no Brasil só vai para a cadeia ladrão de galinha e que aqui é o país de impunidade.
Sem as tais dez medidas, portanto, já existia um arcabouço de leis, que permitiu ao Ministério Público e aos senhores juízes o exercício pleno de suas prerrogativas. Sempre desconfiei do pacote pela razão singela de que quando se dá maior poder ao Estado, em toda a circunstância diminuem as garantias e a liberdade do cidadão.
As garantias individuais se constituem em notável conquista civilizatória, arma poderosa contra o abuso e a opressão da autoridade. Não são destinadas a proteger delinquentes e corruptos, mas os cidadãos. Onde reside a injustiça maior, num único inocente atrás das grades, ou em dez corruptos soltos? É o cidadão honesto e cumpridor das leis que deve se sentir ameaçado quando alguém propõe uma nova lei repressora, restritiva de direitos.
Claro, mesmo as leis repressivas podem e devem ser aprimoradas. Mas muitas vezes é um fio tênue que separa a intenção justa – opôr obstáculos e dificuldades ao crime e ao criminoso – do perigo que passa a recair sobre a cabeça do cidadão honesto. O pacote de 10 medidas do Ministério Público é tão ameaçador ao cidadão comum quanto são ameaçadores os enxertos retaliatórios dos Deputados, em relação aos senhores juízes e promotores.
O pacote original trazia no seu bojo três ou quatro proposições que eram de índole francamente autoritária, como a limitação do habeas-corpus, a admissão de provas ilícitas quando obtidas de boa fé(?), a inacreditável prova de integridade, para “testar” a honestidade de funcionário. O relator, deputado Onyx Lorenzoni, ainda acrescentou a figura bizarra do “reportante do bem”, o dedo-duro que receberia uma espécie de comissão pela deduragem.
As demasias e esquisitices ficaram fora do texto final. Retirem-se os enxertos retaliatórios contra promotores e juízes e teremos uma boa lei. O texto final não é do agrado de juízes e promotores, mas não é fim do mundo e muito menos um “atentado à democracia”. Mesmo sem as dez medidas, o longo braço da lei alcança de forma implacável criminosos de colarinho branco e corruptos, e a democracia, com todas as suas imperfeições, vigora no Brasil.
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