Ela é como o arbusto que, à fúria da ventania, verga mas não cai, não se
quebra, e quando a calma retorna, ergue-se com todo viço.
Porque o padrasto não deixa, ela não mora com a mãe, que não tem energia. O
pai, meio hippie, trabalha só de vez em quando e é mais imaturo que a filha.
Resta-lhe viver com os avós, que são muito pobres, doentes e atrapalhados.
Porém, apesar de tanto desmantelo e de andar quase sempre mal alimentada, Carol
encara a vida com entusiasmo: é alegre, delicada, positiva e aplicada aos
estudos. E conseguiu terminar o ensino médio aos 17 anos.
Há
pessoas que, em vez de acumular amargura, adoçam a alma com o sofrimento. Carol
é dessa têmpera. De incoercível bondade, olhar doce, alegria serena, ela é de
um tipo raro de ser humano que acredita existir amanhã.
Fez contagem regressiva para o dia da formatura, a singela solenidade de
entrega do certificado de conclusão do ensino médio, que haveria de orgulhar
seus pais. Ia ser em 2017! Mas... A pobre Carol é da Escola Estadual Tereza
Francescucci, em Canoas, RS. E, como em todos os anos, em 2017 houve greve do
magistério estadual. Foram mais de três meses sem aula, minguando o sonho da
menina.
O vestido comprado com sacrifício, o salão de festa contratado coletivamente
por garotas pobres como ela, o passeio que o grupo de colegas faria para selar
a amizade antes da natural diáspora de fim de curso, além doutros eventos
juvenis para marcar o último ano de escola, foi tudo arruinado. Não teve solenidade.
Formatura não houve.
Como sempre, os grevistas prometeram recuperar aulas perdidas. E como sempre...
Mais de três meses de greve viraram um mês de recuperação - terminando em
janeiro, com dois feriados pelo meio. E, no lugar de dar aula, houve docentes
que só "passaram trabalhinhos".
Desde 1979 até hoje não houve ano sem greve dos professores. Nos governos
petistas foi só um jogo de cena. Com alunos sem aula, claro. Já nos outros
governos... São 38 anos consecutivos de grevismo, um genocídio cultural,
condenando o futuro de várias gerações de gaúchos.
Carol está magoada. É natural. Percebe que o ensino médio foi-lhe sofrível. Diz
que os professores tomaram os alunos por bobos, quando falaram que o governador
estava pagando só R$ 300 por mês. Sabia que isso era só uma parcela, não o
salário todo - o que é ruim, mas não é culpa dela. E critica os professores que
faziam propaganda do PT em sala de aula. Humilde, ouvia tudo calada. Ela não
quer saber de ideologia. A seu modo, define o jogo do poder como egoísta. Diz
não entender de política. Acha que não é hora de se ocupar dessas coisas. Carol
deseja formar-se para trabalhar. Acha que, terminando os estudos, supera a
pobreza. Carol só quer mudar de vida. Só isso - coisa simples que o sindicato
dos professores despreza.
Post scriptum:
Crônica escrita há um ano, mas vale a releitura, porque
os professores gaúchos seguem mentindo e enganando.
Renato Sant’Ana é Advogado e Psicólogo
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