Ninguém pagará por aquilo que pode encontrar de forma
similar e gratuita na rede
É preciso sentir o cheiro da notícia. Persegui-la. Buscar
novas fontes e encaixar as peças de um enorme quebra-cabeças para apresentá-lo
o mais completo possível. Dentre as competências necessárias para exercer um
bom jornalismo, algumas parecem ser inatas e por mais que se tente aprender,
inútil será o esforço. É assim o tal “faro jornalístico”. Uma capacidade quase
inexplicável que alguns profissionais possuem de descobrir histórias inéditas,
de furar a concorrência e manter pulsando a certeza de que é possível produzir
conteúdo de qualidade que sirva ao interesse público.
Nunca se pôs em xeque o papel essencial do instinto
jornalístico. Nem eu pretendo fazê-lo agora. Como já venho reiterando há
tempos neste espaço, apenas essa vibração será capaz de devolver a alma que,
por vezes, percebo faltar ao trabalho das redações. O que quero é acrescentar
um aspecto que julgo importante nesta discussão: na era digital, a intuição
pode e deve ser apoiada pelos números. A informação precisa ser bem
fundamentada.
Realidades que pareciam alheias aos negócios da mídia
estão cada vez mais próximas dos veículos. É o caso do Big Data. A cada dia os
acessos digitais aos portais de notícias produzem quantidades incríveis de
dados sobre o comportamento de nossas audiências, mas ainda não fomos capazes
de enxergar o potencial que há por trás dessa montanha de informação
desestruturada. Nas redações brasileiras multiplicam-se as telas coloridas que
trazem, minuto a minuto, indicadores e gráficos mirabolantes. Ao final de um
dia de trabalho, qualquer editor está habilitado a responder quais foram as
reportagens mais lidas. Mas e depois disso? Continuamos incapazes de
interpretar adequadamente todas essas cifras e utilizá-las a nosso favor.
É preciso investir forte em tecnologia, não há outro
caminho. Os jornais The New York Times e The Washington Post, para citar
algumas referências da mídia impressa, já entenderam que, neste novo contexto
digital, produção de conteúdo e tecnologia vão de mãos dadas. Tanto que em
tempos de crise no setor o renomado diário de Jeff Bezos parece fazer questão
de andar na contramão da concorrência. Ao invés de enxugar os seus quadros, o
que faz é expandir suas equipes. Mas Bezos não contrata apenas jornalistas.
Busca também profissionais que, controlando ferramentas de dados, apoiem a
redação, o departamento comercial e o marketing. São engenheiros, estatísticos
e desenvolvedores que interpretam os números gerados pelas audiências digitais,
identificam tendências e propõem estratégias relacionadas ao negócio.
Também não levará muito tempo para que a tão comentada
inteligência artificial seja incorporada à rotina das redações. Na Associated
Press e em outras agências de notícias já são os robôs que geram parte das
notícias sobre os balanços corporativos e o fechamento das bolsas de valores.
Um prato cheio para empresas jornalísticas especializadas na cobertura do setor
financeiro. Mas com isso não quero dar a entender que, num futuro não muito
distante, as redações poderão prescindir de seus repórteres. Apenas acredito
que profissionais altamente capacitados deixarão de se dedicar a informações
que podem ser geradas automaticamente para contribuírem com reportagens
analíticas e contextualizadas. Quem ganha é o consumidor.
Certo é que os veículos não podem assistir inertes ao
avanço dessas novas tendências. Não podemos repetir a atitude que tivemos nos
primórdios da internet, quando raras figuras nas redações apostavam que o
ambiente multimídia tomaria a dianteira nos negócios. Também não podemos
reproduzir a postura de meados da década passada, quando, fechados em nossos
paradigmas, observávamos, atônitos, como o Google e o Facebook abocanhavam
parcelas cada vez mais significativas da verba publicitária.
Na última semana tive a oportunidade de conversar com um
grupo de competentes jornalistas e gestores de veículos de comunicação, todos
eles responsáveis pelo processo de transição digital em suas empresas. Vindos
de diferentes Estados brasileiros e de alguns países da América Latina, eles se
reuniram em São Paulo para o segundo módulo do programa Estratégias Digitais
para Empresas de Mídia, que dirijo na ISE Business School.
Todos eles estavam desejosos de encontrar novos caminhos
de monetização. Em sala de aula crescia a certeza de que as verbas
publicitárias não retornarão aos níveis de antigamente e, portanto, os
ingressos deverão ser alavancados prioritariamente por meio do conteúdo digital.
Como tarefa de casa levaram um desafio nada fácil: olhar para a cobertura de
seus veículos e questionar-se se há valor diferencial naquilo que estão
entregando aos seus consumidores. Sabem que se a resposta for negativa poucas
serão as possibilidades de monetizar esse conteúdo. Afinal, ninguém pagará pelo
que pode encontrar de forma similar e gratuita na rede.
Receberam também a missão de colocar a audiência no
centro do processo. Já não basta que definamos nós o que precisam os
consumidores de informação. É preciso ouvir o que eles têm a dizer. Felizmente,
o ambiente digital rompeu a comunicação unidirecional que, por muitas décadas,
imperou nas redações. O fenômeno das redes sociais estourou a bolha em que se
confinavam alguns jornalistas que produziam notícias para muitos, menos para o
seu leitor real. Além disso, perdemos o domínio da narrativa. Chegou a hora das
pautas com pegada.
Sou otimista quanto ao futuro das empresas de
comunicação, mas não deixo de considerar que o renascer do nosso setor será
resultado de um doloroso processo. Passará pela construção de uma identidade
editorial sólida, com apoio da tecnologia que permita escutar a voz dos
consumidores. Mas, antes de tudo, exigirá uma boa dose de audácia para
dinamitar antigos processos e modelos mentais que, até este momento, vêm
freando as tentativas de inovação.
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