Faço aqui, no espaço quinzenal que tenho nesta Folha, uma
provocação que julgo saudável para a política e para os partidos, com o único
intuito de contribuir para um debate que temos postergado, mas que a sociedade
há muito demanda. É uma reflexão necessária diante do impacto provocado pelos
oito deputados do PDT, dentre os quais me incluo, que votaram “sim” à reforma
da Previdência, e os 11 do PSB, contrariando a orientação partidária. Não
estamos falando de dois ou três parlamentares, mas de praticamente um terço das
bancadas de duas relevantes siglas que ocupam posição mais ao centro no
espectro da esquerda. A expressividade dessa dissidência acendeu ao menos a luz
amarela nas estruturas?
Sabemos que a extrema esquerda não admite flexibilidade
alguma de posicionamento, pois está enclausurada em suas amarras. No entanto,
uma parcela da centro-esquerda quer dialogar com o contexto e a sociedade e
caminha para se modernizar. Nisso nos fiamos, nós que temos convicções sociais
fortes, olhamos para o futuro do Brasil e enfrentamos o desafio urgente de
termos crescimento sustentável, condição para a consolidação da justiça social.
Muitos partidos já não representam de fato a sociedade,
mas somente alguns de seus nichos. Embora tenham em seus quadros um número cada
vez maior de deputados com visão modernizante, as siglas ainda ostentam
estruturas antigas de comando, e na maioria faz falta mais democracia interna.
Muitas vezes, consensos sobre pautas complexas não são construídos de baixo
para cima, e cartilhas antigas se sobrepõem aos estudos e evidências. Quando
algum membro decide tomar uma decisão que considere responsável e fiel ao que
acredita ser importante para o país, há perseguição política. Ofensas, ataques
à honra e outras tentativas de ferir a imagem tomam lugar do diálogo.
Exatamente o que vivo agora.
A boa política não pode ser dogmática. Discordâncias são
normais no cotidiano e o ajuste e as acomodações das diferentes visões vão se
dando em questões menores, com as bancadas muitas vezes sendo liberadas para as
votações. O que foge completamente a esse processo e demonstra o grau do
conflito instalado é quando a “rebeldia”, como está sendo interpretado o voto
de opinião, atinge um terço de bancadas expressivas. Encaro esse debate como de
fato a única tentativa da centro-esquerda de se renovar, mas os partidos estão
virando as costas para essa realidade. É mais fácil lidar no plano da
insubordinação. A construção de novas mentalidades não é processo fácil e exige
coragem.
No fundo, são dois os temas que se sobrepõem nesse
momento. A lógica de funcionamento dos partidos políticos no presidencialismo e
o processo de renovação da política brasileira. A combinação de
presidencialismo e federalismo, como ocorre no país, favorece as chamadas
“indisciplinas partidárias”. Busca-se reforçar o poder da liderança partidária
punindo dissidentes pela máxima de que os partidos não podem passar sinais de
fraqueza. Será preciso uma reforma muito profunda do nosso sistema político
para produzir os incentivos necessários para “disciplinar” as siglas. Enquanto
existir o presidencialismo, o multipartidarismo e a federação, as lideranças
partidárias precisarão ouvir e negociar com suas bases, dissidentes ou não.
A ampla renovação política que está em curso e da qual
faço parte agrava o quadro de conflitos internos dos partidos. É racional que
as lideranças recorram a argumentos de ocasião para justificá-los. Mais
racional contudo é pensarmos no Brasil.
Tabata Amaral
Cientista política, astrofísica e deputada federal pelo
PDT-SP. Formada em Harvard, criou o Mapa educação e é cofundadora do Movimento
Acredito.
Excelente reflexão! Incrível como uma garota, ainda tão jovem e há tão pouco ingressada na política, expressa tanta clareza. Parabéns!!!
ResponderExcluirO PDT; TODOS SABEMOS É PROPRIEDADE PRIVADA DO GRUPO DIRIGENTE!!!
ResponderExcluirQue ela seja abençoada com a expulsão. O PDT não é lugar para alguém tão inteligente e de excelente formação.
ResponderExcluirAcho que a deputada Tabata pergunta com muita clareza: como um partido que não tem nenhuma proposta claramente definida pode exigir fidelidade partidária? Fidelidade a que? A nada? Os que querem fidelidade são seus líderes sectários que se acham com o direito de impor policiamento de consciência aos seus integrantes. Parabéns Tamata.
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