Artigo, Pedro Dutra Fonseca

 - Pedro Dutra Fonseca é professor titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS

A cada dia fica mais claro que as decisões econômicas do governo federal vêm sendo tomadas por dois grupos que o coabitam. O primeiro, liderado por Henrique Meirelles e pelo Banco Central, apregoa uma política marcada pela austeridade. O outro, composto por políticos próximos ao presidente interino, mesmo sem contrapor-se "em tese" ao primeiro, pressiona para mitigar medidas ortodoxas mais duras. Inicialmente, este grupo parecia apenas ter poder de influência ou veto, mas hoje encaminha decisões. Conta a seu favor o fato de o governo, tendo assumido de forma atípica, com legitimidade questionada e em caráter temporário, não poder se dar ao luxo de medidas malvadas, principalmente em ano eleitoral. Assim, a tensão entre austeridade e popularidade dos governantes, sempre presente nas crises, tem sua dimensão majorada.
Mas o que deixa o mercado tenso e a oposição calada é que o segundo grupo vem ganhando cada vez mais espaço. Os aumentos do funcionalismo foram mantidos, há pressão para não mexer nos programas sociais e a dívida dos Estados foi aliviada. A proposta de déficit de R$ 170 bilhões para este ano justificou-se em nome de não esconder a verdade, mas como explicar a de cerca de R$ 140 bilhões para 2017? É corrente que tais decisões não correspondem àquelas que seus apoiadores de primeira hora esperavam. Não há dúvida de que são bem menos ortodoxas do que as de Nelson Barbosa, quando, assustado, começou a propor políticas em que ele próprio não acreditava, as quais comprometiam o governo Dilma dentro de sua própria base – e deu no que deu.

Há quem diga que tudo isso mudará com o impeachment definitivo e depois da eleição. Só que, depois desta, haverá outras. Ninguém duvida de que, se o crescimento voltar e com inflação controlada, Temer será candidato, condição que disputará com o próprio Meirelles. Foi contexto semelhante que viabilizou Fernando Henrique e Dilma. O teste será as reformas impopulares à frente, como a trabalhista e a da Previdência. Nem sempre a conciliação é possível; o governo terá que decidir para que lado irá a balança e qual das forças é hegemônica. O mundo começa – e não termina – após as eleições.

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