Artigo, Leandro Narloch=, Folha - Como a exposição do Santander, não devemos censurar a 'cura gay'
Se o leitor, como eu, não vê
gays como pessoas doentes, deve ter achado um absurdo a decisão do juiz que
afrouxa a proibição de psicólogos para tratarem a homossexualidade de
pacientes.
Mas inspire um pouco de
benevolência e tente enxergar a polêmica da "cura gay" por outro
lado.
Em sessões de psicologia
clínica, o conceito de bem-estar é subjetivo. Depende do paciente definir o que
considera um mal, um distúrbio que deseja tratar. Deve ter liberdade para
tentar se livrar de um traço de personalidade que o incomoda ou aprender a
lidar com ele. Não são especialistas, ativistas ou burocratas que devem definir
o que é um comportamento saudável.
Uma mulher pode se incomodar com
uma vida sexual promíscua e procurar um psicólogo para mudar de conduta,
enquanto outra busca ajuda justamente para se libertar de amarras sexuais.
Muitos homens procuram
aconselhamento para conseguirem sair do armário e contar à família sobre sua
orientação sexual. Mas nada impede que outros considerem que o hábito de fazer
sexo com homens prejudica sua vida e optem por largar esse comportamento.
Em todos esses casos, a opinião
de feministas, católicos, de Jean Wyllys ou de Marco Feliciano não deve se
impor sobre a do indivíduo que busca ajuda na terapia. A escolha por uma
"cura gay" ou "cura hétero" deve ser feita entre as quatro
paredes do consultório.
É engraçado ver gente contrária
à censura do Santander, que envolvia dinheiro público e presença de crianças,
querendo agora se intrometer no que homens adultos fazem com o próprio dinheiro.
A decisão do juiz federal
Waldemar Cláudio de Carvalho se ampara muito bem na garantia contra a censura.
Ele afirma que a Constituição impede "privar o psicólogo de estudar ou
atender àquelas que, voluntariamente, venham em busca de orientação de sua sexualidade,
sem qualquer forma de censura, preconceito ou discriminação".
O juiz não concorda com a tese
de que a homossexualidade é doença. Só não quer "proibir o aprofundamento
dos estudos científicos relacionados à orientação sexual, afetando assim, a liberdade
científica do país".
O melhor argumento contra a cura
gay é o do charlatanismo. Em geral, a eficácia de tratamentos baseados em
psicoterapias é baixa. É ainda mais duvidoso acreditar que algum psicólogo
conseguirá mudar a sexualidade de seus pacientes, como prometia a psicóloga
brasileira Rozangela Alves Justino, que moveu ação julgada nesta semana.
Mas esse charlatanismo continua
proibido. O artigo 20 do Código de Ética do Psicólogo impede o profissional de
fazer "previsão taxativa de resultados" e "divulgação
sensacionalista das atividades".
Ao anunciar serviços, psicólogos
só podem fazer referência a suas qualificações e a técnicas reconhecidas pelo
conselho. Propagandas do tipo "resolvo vício e insônia" ou "faço
seu filho virar macho em duas semanas" continuarão proibidas e motivando
processos.
Gays costumam dizer que o Estado
não deve se meter no que homens adultos fazem voluntariamente a portas
fechadas. Pois isso também deveria valer para a relação entre o psicólogo e seu
paciente.
leandro narloch
Jornalista, mestre em filosofia
e autor do "Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil",
entre outros. Escreve às quartas.
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