Se arrancarem do ex-presidente sua poderosa humanidade,
com suas virtudes e pecados, vão transformá-lo em uma triste caricatura.
Juan Arias
Desde que Lula foi condenado e preso existe,
entre seus seguidores mais fervorosos, uma campanha para sacralizá-lo. É
realmente melhor e mais interessante o Lula santo que o Lula profano?
Que eu saiba, o que sempre agradou no político popular foi sua humanidade,
a capacidade de entender como ninguém a linguagem e os lamentos dos sem
passaporte e sem futuro. Eles entendem suas metáforas sobre futebol, suas
hipérboles. Eles gostam de vê-lo com seus defeitos, comendo e bebendo o que
eles comem e bebem. E amar o que eles amam. Divertem-se com seus exageros e até
mesmo com suas mentiras. Perdoam-no por andar entre os ricos e grandes do
mundo, porque pensam que continua sendo um deles capaz de defendê-los, quando
chegar a hora, contra aqueles mesmos poderosos.
Agora começou a corrida pela sacralização. É o Lula que
parou de beber e está feliz e não enfurecido, porque a ira é pecado. O Lula que
assiste pela televisão as missas do Santuário de Aparecida. O que recebe um
terço abençoado pelo Papa Francisco, que não era assim, enquanto um grupo
de evangélicos até tirou o pó das cartas que o apóstolo Paulo escreveu na
prisão, mais de dois mil anos atrás, dizendo que mesmo prisioneiro “lutava
contra as bestas”(1Cor.13,32).
Lula tem agora um pai espiritual a cada semana que acaba
sendo um porta-voz de sua conversão na prisão, onde estaria sereno, lendo e
meditando. Dá medo de que, se continuar esse processo de sacralização, logo
saberemos que o ex-sindicalista capaz de competir no bar com piadas e linguagem
do mais veterano dos caminhoneiros acabe recebendo alguma aparição da Virgem ou
dos santos. Façam, por favor, uma pesquisa entre os eleitores fiéis de Lula e
perguntem se eles o preferem santo, manso e rezando, ou gritando que se sente
enjaulado e obrigado a assistir as novelas da Globo. Se o preferem pecador como
todos, com suas paixões e misérias, seu gosto pelas coisas boas da vida, ou
transformado em monge a caminho da santidade.
A característica de Lula que sempre impressionou
fiéis e infiéis é o seu incrível talento político, sua capacidade de
prever as jogadas, como acontecia com Maradona no futebol. Ser um e vários ao
mesmo tempo, conhecer pela biografia e pelo instinto, as pulsações mais
profundas da miséria. O Lula profano, sem dúvida, é muito mais atraente e
convincente do que o dos altares em que querem colocá-lo. E demos graças que a
Igreja do Vaticano ainda não canonize ninguém em vida, caso contrário, já
haveria gente colhendo assinaturas para pedir sua beatificação. Para começar,
já estão pedindo para ele o Prêmio Nobel da Paz.
Não é difícil imaginar o Lula que um dia tornou
pública a sua capacidade de metamorfose acompanhar o jogo de seus assessores
que o vestem com os hábitos da santidade, enquanto deve se divertir pensando
que sim, que não se incomoda com os terços, a leitura da Bíblia e as
missas pela televisão, mas seu sonho é voltar a desfrutar da liberdade perdida
e das coisas boas e profanas que a prisão tomou dele, na sua opinião, de forma
injusta. Não acham que tantos preferem o Lula de sempre, furioso como um leão
enjaulado, maldizendo os juízes, proclamando sua inocência, sonhando em sair
correndo para a rua e tomar um bom trago durante um churrasco, em vez de vê-lo
de joelhos, pacificado, rezando salmos ou sonhando que o Papa Francisco lhe
apareça sorrindo? Se arrancarem de Lula sua poderosa humanidade, com suas
virtudes e pecados, vão transformá-lo em uma triste caricatura. Para quê?
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