O Caso Dória e a ruína da democracia interna nos partidos
Em 23 de maio, um dia antes de reunião da Executiva nacional do partido, o ex-governador do Estado de São Paulo, João Doria desistiu de sua pré-candidatura para Presidente da República após resistência interna no PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira). Em suas redes sociais, Dória afirmou que "Serenamente,
entendo que não sou a escolha da cúpula do PSDB. Aceito esta realidade com a cabeça erguida".
A pré-candidatura de João Dória havia sido anunciada em novembro de 2021, após sua vitória nas eleições prévias do partido, recebendo 53,99% dos votos dos filiados. No entanto, o ex-governador sofreu resistência interna dos líderes partidários por seus altos índices de rejeição nas pesquisas eleitorais.
Após a retirada da candidatura de Dória e votação da Executiva nacional do partido, o PSDB anunciou seu apoio à candidatura de Simone Tebet (MDB), a partir de acordo entre os partidos que prevê a indicação de candidato a vice-presidente do PSDB. Apesar de o processo de eleição prévia e desistência da pré-candidatura de João Dória ter sido ostensivamente democrática, contando com a renúncia voluntária do candidato, o caso Dória representa uma evidente violação dos princípios democráticos e da democracia intrapartidária, ignorando a decisão tomada pela maioria absoluta dos filiados ao partido de Dória como seu representante nas eleições presidenciais de 2022.
Em relação a isso, o estatuto do PSDB prevê a realização de prévias para a escolha de candidatos a cargos eletivos majoritários. Em seu artigo 2º e 3º, o estatuto também prevê expressamente a democracia interna como base, diretriz fundamental e princípio programático do partido. Por fim, em seu artigo 14, lista entre os direitos dos filiados o direito de lutar contra as violações da democracia partidária, dos princípios programáticos e das normas estatutárias do partido.
Se o partido reconhece o resultado das prévias como a escolha legítima dos filiados, regras mínimas para a realização desses procedimentos de maneira democrática devem ser seguidas. A pressão dos dirigentes do PSDB pela não candidatura de João Dória, manifestada tanto nas alterações ao processo de prévias realizados pela Executiva em novembro de 2021 como nos recentes acontecimentos que levaram à desistência do candidato, deve ser encarada como desrespeito aos direitos dos filiados ao PSDB de manifestação e participação no partido.
É absurdo, portanto, o silêncio dos filiados e da sociedade brasileira frente à fragilização da democracia e do respeito aos princípios democráticos dentro do âmbito do partido, de modo que os filiados, apesar de terem se manifestado pelo desejo de ver a candidatura de João Dória à presidência da república, veem o partido, que deveria ser seu órgão representativo no regime democrático, apoiando a candidatura de outra candidata, que não necessariamente seria sua escolha e que não representa seus ideais, sendo inclusive de outro partido e, portanto, apoiando ideias distintas definidas por meio de decisões das quais não participam os filiados
ao PSDB.
Dessa forma, é necessário melhorar os arranjos intra-democráticos dos partidos políticos de forma a proteger os direitos dos filiados, sob pena de que os partidos percam sua função representativa e acabem por corroer a própria democracia, transformando-a em um mero jogo de elites partidárias e econômicas que disputam falsamente o poder em um palco que propõe-se a ser democrático.
Antonio Carlos Freitas Junior
Antonio Carlos de Freitas Junior, advogado sócio fundador da A.C. Freitas Advogados, foi assessor parlamentar na Câmara dos Deputados e formado em Direito pela Universidade de São Paulo (FDUSP), onde também cursou o Mestrado e atualmente cursa o Doutorado em Direito Constitucional. Além disso, possui Pós-Graduação em Direito Constitucional e Processo Constitucional pelo IDP/SP. É autor de obras jurídicas, palestrante e professor de Direito Constitucional.
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