Todos os presidentes do país desde 2001 estão sob
investigação por propina da Odebrecht
A crise atual, que levou o Peru a ter suas 24
horas de Venezuela, é prova de como a corrupção exportada pela Odebrecht
brasileira foi capaz de destruir, institucionalmente, um país. Desde 2001,
todos os presidentes que governaram a nação andina estão sob
investigação — um deles, Alan García (1985-1990 e 2006-2011), se matou em
abril para não ser preso por lavagem de dinheiro e tráfico de influência.
Alejandro Toledo (2001-2006) foi detido em julho, nos Estados Unidos, e pesa
sobre ele pedido de extradição feito pela Justiça peruana. A equipe especial da
Lava-Jato pediu 20 anos de prisão para Ollanta Humala (2011-2016). E o mais
recente, Pedro Paulo Kuczynski, que assumiu em 2016 e renunciou em 2018 para
escapar do impeachment, está sob prisão domiciliar.
No Peru, a Lava-Jato "hermana" quem está dentro
e quem está fora do governo. A líder da oposição Keiko Fujimori ficou de fora
da Casa de Pizarro por 0,2 ponto percentual nas eleições de 2016, mas seguiu os
passos do pai, o presidente-ditador Alberto Fujimori, e lhe faz companhia atrás
das grades. Alberto por crimes contra a humanidade. Keiko por financiamento
ilegal de campanha em 2011.
A Odebrecht admitiu ter pago US$ 29 milhões de propina no
Peru, entre 2005 e 2014, em troca da obtenção de contratos. Em fevereiro deste
ano, a empreiteira assinou acordo de colaboração com os promotores da Lava-Jato
no país, no qual se comprometeu em fornecer informações e pagar uma indenização
de cerca de US$ 230 milhões. Cerca de US$ 3,5 bi foram subtraídos dos cofres
públicos nos últimos 15 anos. A corrupção veio à tona e democracia está
fragilizada.
Com tantas personalidades políticas na prisão, não é de
se estranhar que o estopim da atual crise que opõe Executivo e Legislativo seja
em razão de quem poderá julgá-las: o Tribunal Constitucional, como nossos
vizinhos chamam a Suprema Corte.
Estão abertas seis das sete vagas de juiz da máxima
instância judicial do país, que, no Peru, são escolhidos pelo parlamento.
Temendo o aparelhamento do Judiciário pelos fujimoristas, que têm maioria no
Congresso, o presidente Martín Vizcarra acelerou a escolha dos magistrados. E,
para matar dois coelhos com uma cajadada, dissolveu o parlamento —
medida que, embora seja considerada legal pela Constituição peruana, traz no
cerne o cheiro de mofo do velho autoritarismo latino-americano.
De olho nos cargos e benesses perdidas pela reforma
política implementada por Vizcarra, os parlamentares fujimoristas reagiram.
Declararam a suspensão temporária do presidente e nomearam sua
vice, Mercedes Aráoz, para o cargo na segunda-feira (30). Foi aí que o
Peru ganhou ares de Venezuela, com dois presidentes "governando" o
país: Mercedes empossada no parlamento a la Juan Guaidó; e Vizcarra se
segurando no poder, ao lado de policiais e militares. A diferença é que, em
Lima, o presidente quer eleições gerais, ao contrário de Maduro em
Caracas.
Em meio ao turbilhão, um dos poucos gestos de ponderação
foi o de Mercedes, que nomeada pelo Congresso, renunciou à presidência na terça
(1º) por entender que a ordem constitucional do país foi rompida.
Lá como cá falta um Judiciário confiável!
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