Editorial, Folha - É o fim

A nomeação do ex-presidente Lula (PT) para o cargo de ministro-chefe da Casa Civil poderia expressar o estado de desespero terminal em que se encontra um governo com índices baixíssimos de popularidade e com escassa sustentação para evitar o próprio impeachment no Congresso.
Há mais, entretanto. Logo após sacramentada a inclusão de Lula no ministério, divulgou-se a gravação de uma conversa entre este e Dilma Rousseff (PT), na qual se escutam claras indicações de que não se resumiam a raciocínios políticos os objetivos da nomeação.
Confirma-se aquilo que os mais exacerbados adversários do governo foram rápidos em considerar como essencial na manobra.
Na iminência de ter decretada sua prisão por Sergio Moro, juiz federal que trata das decisões em primeira instância da Operação Lava Jato, o líder máximo petista queria se blindar, posicionando-se num cargo com foro privilegiado.
Pelo telefone, Dilma assegurava a Lula que seu termo de posse no ministério estava pronto; seria enviado para "caso de necessidade".
Como entender tal conversa se não como um verdadeiro acerto entre elementos interessados em fugir ao alcance da lei?
Será a palavra "cumplicidade" forte demais para aplicar a uma presidente da República e a um ex-presidente que se afobam em arranjar artifício desesperado para manter a corrupção impune, a Justiça paralisada e o privilégio intacto?
A dupla superou, com certeza, tudo o que já se tinha visto no PT e arredores em matéria de cinismo, de imprudência e provocação.
Cinismo, porque poucas horas antes a presidente concedera entrevista refutando a tese de que Lula estava sendo nomeado apenas para escapar da polícia. Tratar-se-ia, na verdade, de obter novas energias políticas no enfrentamento da crise.
Mas não: o argumento elaborado vinha, ao que tudo indica, apenas disfarçar o que merece ser chamado de esforço de atrapalhar o livre funcionamento do Judiciário.
Imprudência, portanto: às voltas com iminente pedido de impeachment, a presidente dá novos e escandalosos fundamentos a uma possível ação contra seu mandato.
Provocação, acima de tudo. Dias depois de um protesto com dimensões jamais registradas na história do país, Dilma e Lula se associam para acender, de forma provavelmente irreversível, uma indignação popular ainda mais intensa.
Mal anunciada a manobra, iniciou-se uma manifestação espontânea em frente ao Palácio do Planalto. A afluência popular repetiu-se em São Paulo e só fez crescer quando se teve notícia das gravações comprometedoras. No Congresso, a palavra "renúncia" é pronunciada aos brados pela oposição.

Já se dizia que, com a nomeação de Lula, o governo Dilma Rousseff chegava ao fim. Talvez a frase deva ser encarada, a partir dos próximos dias, de forma mais literal do que se pensava.

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