A quem interessam as novas eleições? Janaina Conceição Paschoal

Sobram elementos jurídicos para o impeachment, mas não se pode desconsiderar que muitos políticos já estão flertando com a inconstitucional tese das eleições antecipadas.

Em virtude de a defesa da Presidente Dilma, composta por seu advogado e por um grupo de parlamentares, ser bastante contundente e de muitos setores da imprensa terem, inegavelmente, uma forte simpatia pelo PT, pode-se ter a sensação de que a Presidente afastada estaria sofrendo algum tipo de cerceamento em sua defesa.
Não raras vezes, as manchetes nos jornais dizem: “o prazo para a defesa foi reduzido de 15 para 5 dias”, sem lembrar que este mesmo exíguo prazo se aplicaria à acusação.
As manchetes dos jornais jamais destacam as benesses que vêm sendo conferidas à Presidente afastada. Diante de algumas, a acusação tem-se calado, em homenagem ao princípio da ampla defesa; porém, é impossível silenciar frente a iniquidades que saltam aos olhos.
Dentre as várias proteções que foram conferidas à Sra. Presidente, a acusação se resignou, por exemplo, diante da adoção de um rito que não tem previsão legal. Por esse rito, o Pleno do Senado será chamado a votar três vezes: 1) para o recebimento da denúncia (fase já ultrapassada); 2) para pronúncia ; 3) no momento da decisão final.
Ora, só tem sentido falar em pronúncia quando uma autoridade pronuncia para outra julgar. No caso do Tribunal do Júri, por exemplo, o juiz singular pronuncia e os jurados julgam. Qual a lógica de o Senado pronunciar para o próprio Senado julgar?
Quando a Lei 1.079/50 previu que, se o processo não terminar em 180 dias, a acusada retoma o governo, por óbvio, não estava contando com essa tal fase de pronúncia.
Pois bem, tendo calado acerca do rito, que em muito alonga o processo, a acusação não pode se conformar com o fato de a defesa ter arrolado mais de quarenta testemunhas, cuja oitiva fora deferida, enquanto os denunciantes arrolaram apenas cinco, sendo três oitivas denegadas.
O artigo 401 do Código de Processo Penal é bastante claro ao aduzir que, “na instrução poderão ser inquiridas até 8 (oito) testemunhas arroladas pela acusação e 8 (oito) pela defesa”.
Não obstante, partindo do pressuposto de que poderiam ser arroladas oito testemunhas para cada fato, a defesa cindiu a continuidade delitiva referente à abertura de crédito suplementar em quatro e, apenas para os decretos, arrolou trinta e duas testemunhas.
Francamente, se esse posicionamento fosse efetivamente admitido, em uma ação penal por crime tributário continuado, para cada mês de não recolhimento, poderiam ser arroladas oito testemunhas. Desse modo, se os não recolhimentos se estenderam por dez meses, poderiam ser ouvidas, em tese, oitenta testemunhas.
Qualquer pessoa que trabalhe na área penal sabe que esse cenário é impossível, primeiro, em virtude de nunca antes neste país um magistrado ter admitido algo do gênero e, em segundo lugar, pelo fato de tal expediente tornar impraticável o funcionamento da já combalida Justiça.
Como se não bastasse o deferimento da oitiva de tal número de pessoas, a defesa foi autorizada a ajustar o rol duas vezes, o que, salvo melhor juízo, também não tem fundamento na lei.
De fato, uma vez apresentada a resposta à acusação, a Relatoria anunciou que não seria admitida a oitiva de especialistas, apenas de pessoas diretamente ligadas aos fatos, conferindo à defesa uma primeira oportunidade para atender a regra imposta às duas partes. A defesa peticionou e, novamente, dentre as dezenas de pessoas arroladas, indicou quinze professores universitários. Diante da impugnação da acusação, no lugar de os especialistas serem simplesmente excluídos da longa lista de testemunhas, conferiu-se à defesa nova oportunidade de substituição. Não é possível!
Além dessa clara disparidade, na primeira sessão para inquirição de testemunhas, todas as perguntas da defesa foram permitidas, independentemente da data das informações solicitadas. Já a acusação foi obrigada a restringir suas indagações às pedaladas ocorridas no Banco do Brasil e a quatro decretos de 2015.
Essa regra não pode ser mantida, pois a denúncia fala de pedaladas em 2014 e 2015 e as ilegalidades ocorreram no Banco do Brasil, na Caixa Econômica Federal e no BNDES, valendo destacar que, neste último, os crimes se estenderam a 2015, no âmbito do PSI (Programa de Sustentação do Investimento).
Por não ter como defender a Presidente afastada da inegável prática de crimes que lhe asseguraram a reeleição, a defesa se apega ao primeiro despacho de Eduardo Cunha, para restringir a denúncia. Chega a ser hilário, pois a própria defesa alardeia que o processo seria ilegítimo por ser Cunha Presidente da Câmara à época da distribuição.
A acusação tem o direito e o dever de se basear na denúncia, tal qual fora apresentada. Ademais, falar de 2014 é muito importante para evidenciar o “modus operandi”, bem como para demonstrar que, por muito tempo, a Presidente foi avisada acerca das ilegalidades perpetradas e as chancelou.
Na primeira sessão de oitivas, os técnicos do tesouro nacional foram impedidos de responder questão da acusação, referente a uma reunião, ocorrida em 2013, em que vários funcionários de carreira noticiaram ao então secretário do tesouro, muito próximo à Presidente, que não poderiam continuar a avalizar procedimentos ilegais. Aviso desconsiderado!
Ora, ainda que os Senadores se atenham apenas a 2015, essa reunião é importantíssima para evidenciar a consciência da ilicitude e a deliberada determinação em permanecer no crime.
Amordaçar a acusação prejudica a busca da verdade, tão cara à nação, sobretudo no momento de depuração que está sendo atravessado.
Sobram elementos jurídicos para o impeachment, mas não se pode desconsiderar que muitos políticos já estão flertando com a inconstitucional tese das eleições antecipadas. A sede por poder pode trazer Dilma de volta.
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*Janaina Conceição Paschoal é advogada, professora livre-docente de Direito Penal na USP e uma das autoras do pedido de impeachment da Presidente Dilma Rousseff

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