A recente decisão do STF no inquérito das fake news terá importantes consequências
políticas. Neste artigo, no entanto, focarei no seu impacto no campo da
liberdade de expressão. Governos passam, mas fissuras na liberdade de expressão
ficam para sempre. Nesta hora de radicalização, preocupante e crescente, a
única coisa que me resta são os princípios de sempre. Apoio-me nos valores e ideias
que alimentam minhas convicções. A liberdade de expressão é um porto seguro da
democracia. Dela não me afasto.O respeito devido ao Supremo Tribunal Federal e aos demais
poderes da República não pode ser encarado como uma blindagem para abusos
praticados por aqueles que, momentaneamente, integram a corte. O STF não é dono
do Brasil. Seus ministros são servidores públicos. Devem ser guardiões das
normas constitucionais e não ativistas judiciais em defesa de interesses pessoais,
políticos ou ideológicos.Há exatos 15 meses o ministro Dias Toffoli deu o pontapé
inicial para um jogo disfuncional que, aos poucos, foi transformando o STF num
poder absoluto. Monocraticamente, e na contramão da Constituição, censurou a
revista Crusoé por expor seus supostos desvios éticos. Note bem, amigo leitor:
censurou a revista. Mas nunca a processou.De lá para cá, qualquer ofensa, real ou imaginária, passa a
ser resolvida em clima de rito sumário. O ministro “ofendido”, como se não
fizesse parte de um poder democrático, assume o papel de polícia, promotor e
juiz da própria causa. É exatamente isso que, atônitos, estamos vendo no
chamado inquérito das fake news.Aberto pelo presidente Dias Toffoli, com relatoria do
ministro Alexandre de Moraes, o inquérito tem por objetivo alegado investigar a
existência de fake news, ameaças e
denúncias caluniosas, difamantes e injuriantes, que, pretensamente, atingem a
honra e a segurança dos ministros e seus familiares. Desde o seu início, vem
servindo para quase tudo. Fundamentou atos de censura à imprensa, a busca e
apreensão na residência de pessoas que levantaram hashtags
contrárias ao trabalho do Supremo, o bloqueio de contas nas redes sociais de
deputados, etc.A rigor o inquérito 4.781 não poderia ter sido sequer
instaurado, pois tem como base o artigo 43 do Regimento Interno do STF, que
estabelece: “Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal,
o presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à
sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro ministro”. Uma vez que as
alegadas infrações à lei penal teriam consistido -não se sabe ao certo- em
críticas, insultos e deboches sistemáticos dirigidos aos ministros Dias Toffoli
e Alexandre de Moraes no ambiente das redes sociais, não há cabimento para a
instauração desse inquérito.As condutas não podem ser juridicamente qualificadas como fake news, que não é um tipo penal existente (princípio da reserva legal: Constituição, artigo 5.º, XXXIX: “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação penal”).Veja Também:
Coragem para assumir riscos
A gravidade dos vícios de origem do inquérito tem sido
unanimemente apontada por vários juristas, procuradores e estudiosos do
Direito. A relativização disso em face de um problema que se procura combater
significa, neste caso, o abandono completo do princípio de que os fins não
justificam os meios.Se apenas por que o pretenso “inimigo” é alguém cuja conduta
se considera muito reprovável nos damos ao luxo de abandonar, não meras regras
processuais mas princípios basilares da Justiça, impomos não uma vitória contra
o erro, mas uma derrota ao Estado Democrático de Direito.Não se combate fake news com censura ou tutelas do Estado, pois isso pode atingir diretamente a liberdade de expressão. Quem vai dizer o que podemos ou não consumir? Quem vai definir o que é ou não fake news? O Estado? Transferir para o Estado a tutela da liberdade é muito perigoso. Fake news se combatem não com menos informação, mas com mais informação, e informação mais qualificada. A liberdade de expressão é o oxigênio da democracia.
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