Há mais razões para apostar na retomada", diz novo economista-chefe do Bradesco

Há mais razões para apostar na retomada"

Valor Econômico - 03/03/2017

O novo economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato Barbosa, está mais confiante na retomada da economia brasileira. Ainda que projete um crescimento de apenas 0,3% na média deste ano, ele avalia que hoje há mais chances de a realidade surpreender para melhor do que o contrário. "Há mais razão para apostar que a retomada virá", diz. Um fator importante é o ciclo de redução dos juros agora em curso, o que diferencia o quadro atual do que registrado na passagem do segundo para o terceiro trimestre de 2016, quando a melhora da confiança de empresários e consumidores não se traduziu em recuperação da atividade.

Honorato, que assumiu o departamento de pesquisas e estudos econômicos do banco em dezembro, afirma que a economia poderá crescer a uma taxa anualizada de 2,5% a 3% no segundo semestre, destacando o efeito da redução dos juros. "Para as grandes empresas, em que 95% da dívida é indexada ao CDI, indexada à Selic, essa queda de juros significa menos despesa financeira na veia. O balanço da empresa melhora, a rentabilidade, o lucro", diz ele. Isso deve levar a alguma alta do investimento, num cenário em que as companhias não têm gastado nem mesmo para repor o estoque de capital. Para Honorato, a Selic, hoje em 12,25% ao ano, deve terminar 2017 entre 8,5% e 9%.

O economista enfatiza também a importância da "normalização da política econômica", melhorando o panorama para o investimento e o controle da inflação. Para ele, a expectativa para o consumo das famílias também é mais positiva. A "poupança precaucional" feita por muitos consumidores na crise, num quadro de aumento forte do desemprego, pode começar a ser liberada. "É uma recuperação que vem devagarzinho, mas vem."

O cenário obviamente não está livre de riscos, diz Honorato. Entre as ameaças citadas por ele estão as incertezas no ambiente político, como os efeitos da operação Lava-Jato e a crise fiscal dos Estados.

De modo geral, porém, Honorato acredita numa melhora da economia em 2017, o que vai depender também de como será a tramitação da reforma da Previdência, necessária para tornar viável o cumprimento do projeto do teto de gastos da União. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: A retomada começará, enfim, neste primeiro trimestre?

Fernando Honorato Barbosa: No ano passado, as pessoas ficaram um pouco mais confiantes com a mudança na orientação da política econômica, com a mudança política, mas isso não veio acompanhado de melhora de emprego, renda, investimento. Aí há um elemento crucial, que são os juros. O que acho diferente desta vez em relação ao que ocorreu na passagem do segundo para o terceiro trimestre é a ação do Banco Central (BC).

Valor: Qual o efeito disso?

Honorato: As empresas no Brasil não são especialmente endividadas quando você compara com o resto do mundo, mas o serviço da dívida é bastante elevado, porque os juros são altos. Agora, há uma chance concreta de ter uma redução do serviço da dívida, de modo mais estruturado [depois que o BC começou e acelerou os cortes de juros]. O BC foi decisivo para balancear os riscos. Há mais razão para apostar que a retomada virá.

Valor: Que outros fatores deverão ajudar na retomada?

Honorato: Além da queda dos juros, há duas coisas novas em relação ao que tínhamos no terceiro trimestre: a agricultura ­ o crescimento da safra ajuda muito ­ e o dinheiro do FGTS. Além disso, há um dado da nossa pesquisa proprietária, feita com 3 mil empresas, todos os meses. O indicador de horas trabalhadas começou a melhorar em janeiro e fevereiro acelerou de modo importante. Os ciclos de recuperação, vale notar, começam com o aumento de horas trabalhadas. Além disso, há um aspecto dos dados do Caged [Cadastro Geral de Empregados e Desempregados] de dezembro. Todo mundo esperava fechamento de 550 mil a 570 mil vagas e o número ficou em 462 mil vagas. A intensidade da piora do mercado de trabalho foi um pouco menor.

Valor: Qual sua projeção para o PIB do primeiro trimestre?

Honorato: Estimamos crescimento de 0,1%. Honestamente, com o grau de incerteza que nós temos, é zero a zero. Mas há trajetória de recuperação ao longo de 2017. Temos algo em termos anualizados de 2,5% a 3% no segundo semestre. É uma recuperação que vem devagarzinho, mas vem.
"Havia uma economia que estava desorganizada. Nesse cenário, os canais de transmissão não funcionam"

Valor: Vocês projetam crescimento médio de 0,3% em 2017. Esse número esconde uma trajetória ascendente ao longo do ano?

Honorato: Isso. Esse é o primeiro ponto. Quando nós mudamos para 0,3%, teve mais a ver com a frustração de 2016, com o carregamento estatístico para 2017, do que mudar muito a cabeça para este ano. E aí tem um processo que eu chamo de normalização da economia. Crescer 0,3% depois de dois anos em que o PIB caiu quase 8% acumulado pode dar a sensação de que é frustrante, de que é pouco. Mas é o primeiro passo de normalização. As pessoas, as empresas, precisam perceber que a economia parou de piorar.

Valor: De onde virá o crescimento?

Honorato: É necessário pensar coisas um pouco diferente do que estamos habituados. Muita gente me diz: Está bom, vai cair a Selic, mas por que as empresas vão investir, se há uma ociosidade enorme? É um argumento válido, mas a taxa de investimento na economia está abaixo da depreciação. Há destruição de capacidade, porque não se está investindo nem para repor o estoque de capital. Há um investimento mínimo, quando começa a dar esse sentido de normalização da economia, que as empresas passam a fazer. O segundo ponto é que a formação bruta de capital fixo no Brasil é super correlacionada com duas coisas, o risco­país e a taxa de câmbio. A queda de risco e o câmbio mais apreciado, que é o que estamos vendo, ajudam a aumentar a taxa de investimento. É histórico isso no Brasil. Cai o risco­país, as empresas estão mais confiantes, e o câmbio mais apreciado torna mais barata a importação de bens de capital.

Valor: E o impacto da queda da Selic?

Honorato: Nós sempre associamos queda da Selic a aumento de investimento por causa da ideia de que vai gerar crescimento, vai gerar demanda de crédito, um encadeamento de coisas. Mas desta vez a queda de juros vai afetar mais o balanço das empresas, a despesa financeira. À medida que o serviço da dívida ficou caro, o fluxo de caixa delas ficou apertado, por conta da despesa financeira muito grande. Para as grandes empresas, em que 95% da dívida é indexada ao CDI, essa queda de juros significa menos despesa financeira na veia. O balanço da empresa melhora, melhora a rentabilidade, o lucro. Parte da melhora da bolsa tem a ver com a antecipação desse cenário. Melhora o balanço da empresa uma vez que os lucros crescem com a menor despesa de juros. Se ela tem mais lucro, essa é a fonte primária de investimento. Balanço melhor é colateral melhor para crédito, é expectativa melhor para o próprio empresário de que a situação da empresa dele está mais favorável, de que ele pode tomar o risco de investir.

Valor: E o consumo das famílias?

Honorato: Não sei se vocês repararam, mas o consumo das famílias caiu muito mais do que caiu a renda. As vendas de automóveis caíram 50%, mas o país não caiu 50%. O PIB caiu 8%. A renda deve ter caído no acumulado de 2015 e 2016 uns 3% em termos reais. Por que as vendas de carros caíram 50%? Em parte, houve antecipação do consumo em anos anteriores, com a redução do IPI, mas ainda assim não era para ter caído 50%. Há quase 13 milhões de pessoas desempregadas, então está todo mundo muito cauteloso. Há uma certa poupança precaucional. As famílias se protegeram. Se a economia estabiliza e começa a ter algum sentido de normalização, parte dessa poupança pode ser liberada. Apesar de ser uma projeção de um crescimento baixo para este ano, de 0,3%, estou começando a achar que há mais chances de eu me surpreender para cima do que para baixo neste ano. A economia se estabiliza, as famílias começam a consumir um pouco mais, os juros caem, o balanço das empresas melhora. De repente, vai haver um pouco de investimento e consumo. Eu estou mais construtivo em relação ao Brasil. Começa a ter uma chance de dar certo, de ter juros mais baixos, uma inflação mais baixa. Um fiscal que leva tempo, mas é mais arrumado. Além disso, fazer um bom trabalho na Petrobras, na Eletrobras e no BNDES melhora a alocação na economia, melhora a eficiência. Outro ponto importante é a organização da política econômica.

Valor: Qual o impacto disso?

Honorato: Por que a inflação não estava reagindo ao tamanho do hiato que nós tínhamos? Minha tese central é que havia uma economia, uma política econômica, que estava desorganizada. Nesse cenário, os canais de transmissão não funcionam. Quando começa a organizar a política econômica, dá um sentido de que se está normalizando. Se está normalizando, a inflação e os juros caem e as empresas e famílias voltam a investir e consumir. No ano passado, ainda havia muitas dúvidas. Não se sabia se Temer ia ser capaz de compor uma maioria no Congresso, se ele seria capaz de aprovar as reformas que estavam sendo propostas. O risco começou a cair, mas ele não tinha gerado ainda a confiança nos empresários de que a política econômica estava mais organizada e fazia sentido investir.

Valor: A inflação mostra queda mais consistente. É isso mesmo ou boa parte do movimento se deve à queda dos preços de alimentos?

Honorato: São as duas coisas. A nossa projeção de alimentos sai de 9,4% no ano passado para 2,5% neste ano. É óbvio que tem uma desinflação gigantesca de alimentos. Mas eu queria focar na reorganização da política econômica. O que intrigou os economistas em 2015 e 2016 foi o tamanho da inflação para o tamanho da recessão. Estávamos quase rasgando os manuais de economia. Mas países que são desarrumados têm inflação alta e PIB baixo, como Brasil da década de 80. Com política organizada, os canais tradicionais têm que funcionar. Hiato, expectativa e o câmbio. Para ajudar, você colocou no BC uma equipe que tem enorme credibilidade, reputação muito elevada, o que acelera esse processo. O fato é que não fazia sentido uma inflação de 10%, 6%, com o tamanho da queda da economia. Nossa hipótese é que havia reajustes preventivos. Quando você está desorganizando a economia, as empresas se preocupam menos com o "market share" e mais com tentar garantir a rentabilidade.

Valor: E os preços de serviços, estão caindo de forma consistente?

Honorato: Acho que a trajetória ali também é favorável. E, se você pegar a inflação anualizada, descontando fatores sazonais, a de seis meses está rodando a 3% em termos anualizados. Medidas mais razoáveis mostram a inflação rodando abaixo de 4%. E há mais um ponto que nós não falamos sobre a atividade, é que essa queda da inflação ajuda um pouco a renda real.

Valor: Em que nível a Selic deve terminar o ano?

Honorato: Entre 8,5% e 9%.

Valor: O que essa redução mais forte dos juros fará pela economia?

Honorato: O impacto número um é o de melhorar o serviço da dívida das empresas. Há um segundo canal, que tem a ver com as contas públicas. Se nós atribuímos parte importante da piora de risco, da piora da economia, com o que aconteceu com a dívida pública, se houver uma percepção de que nós podemos ver as contas públicas mais organizadas também e uma Selic menor, isso tem um impacto importante na percepção de risco de médio prazo. Tem também o efeito sobre a
bolsa, que já está bastante no preço. A percepção de juros mais baixos, de modo mais estruturado, sem voluntarismo, está gerando esse efeito na bolsa. Ainda há o canal do crédito, que vai demorar mais para ter efeito. Esse é o canal tradicional. O último é o câmbio e, aqui há algo curioso.

Valor: O que?

Honorato: Qual era o diferencial de juros no ano passado? Muito maior do que é hoje, do que vai ser no fim do ano, e, ainda assim, quanto saiu de dinheiro da renda fixa do Brasil em 2016? Foram US$ 25 bilhões, US$ 26 bilhões de renda fixa, com todo aquele diferencial de juros. Motivo número um? Nós deixamos de ser grau de investimento. Motivo número dois? De que adianta ter um diferencial de juros enorme, se eu acho que tem um risco de esse país não ser solvente lá na frente? A queda de juros deste ano não é especialmente importante para o câmbio [no sentido de levar à desvalorização do real]. O Brasil é um dos poucos países do mundo que ainda tem um diferencial muito grande de juros, mesmo com a eventual alta dos juros nos EUA. O diferencial que vamos ter contra o resto do mundo ainda vai ser elevado. Podemos ter surpresas com a renda fixa neste ano. Há outras coisas, como termos de troca, confiança, que podem fazer o câmbio apreciar mais.
"A queda de risco e o câmbio mais apreciado, que é o que estamos vendo, ajudam a aumentar a taxa de investimento"

Valor: Os déficits primários continuarão por mais alguns anos e a dívida bruta seguirá em alta por outros tantos. O mercado tem sido condescendente com esse quadro fiscal, que ainda vai se deteriorar?

Honorato: Para resolver o problema fiscal no curto prazo, seria necessário um aumento de carga tributária descomunal, que seria impraticável. A estratégia da equipe econômica adotada no ano passado parece ter sido a de oferecer um futuro. Não há muito o que se possa entregar no curto prazo, a não ser carga tributária, porque cortaram uma série de despesas discricionárias. A Previdência não pode cortar, salário não pode cortar e saúde e educação, dada a situação, não faz sentido cortar. O que o governo fez no ano passado foi vender uma promessa de futuro, uma promessa de que, se a PEC do teto for válida por muito tempo, a trajetória da dívida, apesar de chegar perto de 90% do PIB, em algum momento vai ser baixa e até mais baixa do que os países que são pares do Brasil.

Valor: Qual a projeção para o resultado primário neste ano?

Honorato: Um déficit de R$ 170 bilhões, mas que pode virar R$ 139 bilhões, dependendo do tamanho do contingenciamento. Não é impossível, mas é uma meta difícil. Essa promessa de futuro depende de você ser crível. Eles fizeram isso com a PEC do teto. Mas a PEC não é viável sem a reforma da Previdência, que estão tentando fazer agora. E mesmo com a reforma da Previdência, os gastos discricionários nos próximos dez anos vão ter um encolhimento muito grande em termos reais, entre 20% a 30%. Acho que o mercado diz: Tenho uma promessa de futuro, razoavelmente crível porque está escrito na lei, que, se tiver continuidade no próximo governo, eu desconto o fato de que a dívida deve bater em 90% do PIB e aí pode não ser excesso de condescendência.

Valor: A PEC vai ter que ser revisada daqui a alguns anos?

Honorato: Se revisar em 2019, toda essa promessa de futuro perde valor. Mas daqui a cinco, seis anos, a hora que você começar a produzir superávits primários e ficar muito difícil de cumprir. Tudo depende da regra de transição da reforma da Previdência. Vamos descobrir daqui a seis meses. Quando se conhecer a regra de transição, vai se saber quando ficará muito difícil cumprir o teto.

Valor: Será preciso aumentar imposto? Depende da Previdência?

Honorato: Da reforma da Previdência e do grau de compromisso a partir de 2019 com entregar a PEC dos gastos. Acho que em algum momento no ciclo do próximo presidente nós vamos ter que discutir algum aumento de imposto porque nós vamos querer ver uma aceleração da redução da dívida. Isso é bem provável. Não tem no nosso cenário base para aumento de imposto até 2018. Pelo que a gente ouve falar, não existe espaço político para isso.

Valor: Como vai ser neste ano, o que está proposto do PPI [Programa de Parcerias de Investimentos]?

Honorato: Acho que há um debate um pouco mais amplo que tem a ver com a segurança jurídica e com os assuntos de licenciamento em geral, não apenas o licenciamento ambiental. Por que não deslancha o investimento em infraestrutura no Brasil? Há uma questão macro, que é a taxa de juros, que nós esperamos que seja abordado com a queda da Selic, mas esse é supermapeado. O governo anterior tentou fazer com juro subsidiado e também não deu certo. Isso diz para mim que os aspectos micro, ligados à segurança jurídica e ao licenciamento, são superimportantes. O avanço que houver nessas áreas vai dar a dimensão do sucesso que teremos nesses projetos todos. Mas o quanto do nosso cenário depende do PPI? Hoje, não depende nada. Se vier um grande programa, bem formatado, arrumado, vai ser mais PIB, não o 0,3%.

Valor: As incertezas do cenário político, basicamente a Lava­Jato, podem atrapalhar a recuperação?

Honorato: Vamos falar um pouco dos riscos, que estão mais balanceados, mas estão presentes ainda. O tema número 1 é o ambiente político de modo geral, que inclui a Lava­Jato e o julgamento do TSE [que julga se houve irregularidades na chapa Dilma­Temer]. Risco número 2: a situação dos Estados. Estamos dependendo das assembleias legislativas e o Congresso aprovarem um acordo que é razoável, não vou dizer que é ótimo, mas é um acordo que no fundo resolve uma situação de emergência pra não cair no colo da União. Agora suponha que a Assembleia Legislativa do Rio não aprove o acordo. A equipe da Fazenda vai dizer: bom, mas isso não é obrigação da União. O que eu costumo dizer é nem sempre esses temas evoluem de forma favorável. Se não consegue pagar salários e os policiais estão em greve, os médicos estão em greve e as coisas evoluem de um jeito negativo, indiscutivelmente a União vai ser chamada a participar.

Valor: Há mais algum risco?

Honorato: Há um risco vindo lá de fora que é a história do [Donald] Trump e como isso vai evoluir. O risco externo seria ter alguma fricção em um mundo que está começando a crescer mais. Se aumentar a tarifa de importação, isso desorganizar a economia americana, aumentar a inflação, aumentar os juros e aí desorganiza. Vamos ter que esperar para ver como ele vai se comportar nesse tema. E há eleições na França também.

Valor: Qual a sua estimativa para o câmbio no fim do ano?

Honorato: Está entre R$ 3,10 e R$ 3,30, mas pode ser mais baixo. Mantemos essa projeção porque colocamos um prêmio de incerteza ligado ao Trump. Nós não sabíamos qual será a política dele.

Valor: Um câmbio abaixo de R$ 3 permitiria que a Selic caísse abaixo de 9%?


Honorato: Acho que o risco para Selic é para baixo neste ano, e não só por conta do câmbio. O risco do PIB ser para cima em parte tem a ver com a possibilidade de a Selic ser mais baixa.

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