Está tudo perfeitamente correto com a intervenção do
Exército no Rio de Janeiro, mesmo porque não há nada que os militares possam
fazer a respeito ─ receberam ordens legais, aprovadas por vasta maioria de
votos no Congresso, para patrulhar as ruas da cidade, e não poderiam recusar-se
a cumpri-las. Mas está tudo errado com a desordem criada na segurança jurídica
no Brasil pela ação conjunta de governo, deputados e senadores, juízes e
procuradores, ministros dos tribunais superiores e quem mais tem alguma coisa a
ver com a aplicação da lei neste país.
Esta desordem, como é bem sabido por todos, é hoje o
grande incentivo ao crime: transformou o direito de defesa num Código Nacional
da Impunidade. Essa situação fornece tantos privilégios aos criminosos, e
coloca obstáculos tão grandes à sua punição, que acabou por dissolver a
autoridade pública, as leis penais e o sistema Judiciário, hoje humilhados
diariamente pelo crime e impotentes para proteger os direitos do cidadão que os
bandidos violam como bem entendem. Criou-se um estado de quase anarquia. Aí não
há Exército que pode resolver ─ nem o brasileiro e nem o dos Estados Unidos,
com o seu efetivo de 1,3 milhão de homens, o seu orçamento de 600 bilhões de
dólares por ano e o seu arsenal inteirinho de bombas atômicas.
O Exército brasileiro não pode resolver o problema porque
tem de respeitar as leis ─ e as leis criadas há anos pelos donos do poder
impedem que a força armada cumpra a missão que recebeu. O resumo da história é
o seguinte, para quem não quer passar o resto da vida discutindo o assunto: a
tropa enviada ao Rio de Janeiro está legalmente proibida de combater o inimigo
contra quem foi despachada.
Muito simplesmente, não há no momento para o Exército
enviado à frente de combate as “regras de engajamento”. Como uma força militar
pode trabalhar desse jeito? Qualquer exército decente do mundo tem suas regras
de engajamento ─ até uma tropa ONU em missão de paz. Do contrário, é um
ajuntamento de homens com armas na mão. Essas regras são o conjunto de
instruções precisas sobre o que os soldados e oficiais devem ou não devem fazer
quando entram em ação. Uma das principais é atirar no inimigo. Não se trata de sair
dando tiro por aí, mas também não é uma opção em aberto. Um sujeito que porta
um fuzil automático no meio da Avenida Brasil para assaltar um caminhão de
carga, por exemplo, ou desfila armado pelas favelas, é um inimigo ─ e,
portanto, um alvo. Ou não é? Aqui, pela regra, não é. Pelas nossas leis, não há
inimigo. Conclusão: o Exército está no meio de uma guerra no Rio, mas nossas
leis e tribunais dizem que a tropa do outro lado encontra-se sob a sua benção.
Nossos soldados, assim, se veem na extraordinária
situação de não poder atirar no agressor ─ não têm, para tanto, a autorização
da lei, nem sua proteção. É como se numa guerra o soldado que matasse o inimigo
armado fosse depois levado ao tribunal de júri e processado por homicídio. Quer
dizer: o Exército foi chamado para combater o crime, mas está impedido de
combater os criminosos. Não tem “poder de polícia” ─ na verdade, tem menos
liberdade que a PM do Rio. Não pode prender sem mandato judicial. Não pode
revistar um prédio sem licença do juiz. Serve para ficar na rua, aparecer em
fotos e fazer os bandidos tirarem umas férias, até a hora de ir embora e
entregar o território de novo para eles. Enquanto isso, soldados e oficiais têm
de rezar para não precisarem atirar em legitima defesa; vão dizer, aí, que o
Exército matou “um civil”. É uma espécie de falência mental coletiva. Para a
mídia, os ministros do Supremo, os pensadores políticos e por aí afora, não há
assaltantes nos morros do Rio de Janeiro; há civis. É o triunfo do crime, para
a tranquilidade dos defensores da nossa democracia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário