Caminhamos para uma República submetida ao poder
burocrático dos atores do Judiciário
Independentemente de quem venha a ganhar as eleições
presidenciais deste ano, algumas questões já estão postas. A primeira é que o
próximo governo manterá o presidencialismo de coalizão.
Afinal, sem uma grande coalizão o presidente da República
não conseguirá governar, já que o polo central da política se deslocou do
Planalto para o gabinete do presidente da Câmara dos Deputados. Portanto, sem
uma identificação política entre governo e presidência da Câmara a
administração funcionará aos soluços e dependente de medidas provisórias que
poderão ser rejeitadas in limine.
Outra questão posta e assegurada é que a Operação Lava
Jato e seus sucedâneos continuarão a produzir efeitos e a emparedar o mundo
político. Em consequência, a imprensa - que nunca nutriu simpatia pelo
establishment político - continuará sua faina diária de desinstitucionalizar o
universo político. Independentemente do tamanho e da gravidade da culpa de seus
atores.
A terceira questão posta é que o mundo político, entre
cético e acovardado, assiste à sua destruição institucional sem esboçar reação.
Aceita a perda de terreno para o Judiciário, não se rebela contra o seu
ativismo de forma consequente e não constrói uma narrativa minimamente
coerente.
Políticos caminham em meio aos destroços como se as
bombas atiradas pelo Ministério Público e pela Justiça não os atingissem.
Engana-se o mundo político, pois vivemos tempos em que praticamente tudo na
política foi criminalizado e a presunção da inocência deu lugar à certeza
antecipada de culpa.
Assim, as eleições de 2018 vão marcar apenas mais um
passo rumo ao fim da política conforme estabelecida após o fim do regime
militar.
Após os fracassos iniciais de Sarney e Collor, uma
aliança rentista-burocrática promoveu o aumento da taxa de juros e da carga
tributária para pagar a conta fiscal e controlar a inflação, em meio a uma
alegoria democrática. Ao lado de certa disciplina fiscal, permitia-se uma
bacanal partidária sustentada por três pilares: cargos públicos, verbas
orçamentárias e intermediação de negócios. A estabilidade da aliança
rentista-burocrática dependia, também, de bons salários para os cargos no
Estado dos quais se executavam as políticas vigentes.
A equipe econômica era minimamente blindada para fazer
política fiscal e monetária, e o mundo político era financiado para ajudar ou,
ao menos, não atrapalhar. Sob a vista grossa de todos, políticos e empresários
exploravam a intermediação de obras públicas e a venda às estatais. E a máquina
pública impunha uma perversa política tributária, além de sufocar o
federalismo.
Paradoxalmente, o ex-presidente Lula - o líder operário e
esquerdista - foi o ápice do "novo-republicanismo", ao conciliar a
manutenção da aliança rentista-burocrática com a expansão da classe média baixa
e o aprofundamento do capitalismo tupiniquim de vendas ao governo. E uma
expressão perversa do conservadorismo retrógrado de nossas esquerdas.
Rentismo e popularismo deram algum resultado. Os
miseráveis viravam pobres. E os pobres viravam devedores das Casas Bahia! Por
sua vez, a alta burocracia ganhou mais privilégios e aumentos salariais
generosos, enquanto os ricos ficavam milionários.
O ocaso de Lula vem com o naufrágio da Nova República,
cujo féretro está sendo conduzido por uma República que ainda não tem um nome,
mas que arrisco chamar de República Judicialista.
Estamos caminhando para uma República submetida ao poder
burocrático dos atores do Judiciário, e não necessariamente aos ditames das
leis e da Constituição. Algo que, tempos atrás, chamei de "novo
tenentismo".
Obviamente, o naufrágio da Nova República ocorre por
contradições inerentes ao sistema, que, se por um lado permitiu a farra de
verbas públicas, por outro aboliu a disciplina partidária, institucionalizou a
corrupção e doações por dentro e por fora, fragilizou o federalismo e permitiu
que o governo fosse capturado por corporações burocráticas.
O episódio do mensalão iniciou um processo irreversível
de mudanças. Pela primeira vez o sistema político foi incapaz de se proteger no
Judiciário. Mas como nada vem sozinho, a cretinice do mundo político veio
acompanhada de outras transformações que retroalimentaram o processo.
Por conta da dificuldade de chegar a consensos políticos
importantes, recorreu-se à Justiça para arbitrá-los. Abrindo mão de decidir, o
Legislativo estimulou o Supremo Tribunal Federal a assumir o papel de terceira
câmara legislativa. Não só julgando, mas também legislando sobre temas
relevantes.
Isto posto, proponho que estamos vivendo o naufrágio da
política conforme estabelecida no fim do regime militar, como já dito, e
reconheço a emergência de uma nova política, exposta tanto pelos índices de
rejeição aos políticos quanto pela evidente supremacia do Judiciário sobre os
demais Poderes.
As eleições não devem mudar significativamente o universo
da política em termos de renovação. O judicialismo prosseguirá emparedando o
mundo político e, aqui e ali, pondo algum político importante na cadeia. A
política continuará criminalizada. Já que nem políticos nem imprensa, muito
menos o Judiciário, conseguem e/ou desejam separar o joio do trigo.
Duas consequências estão claras: a ascensão do Judiciário
como Poder e a dependência, cada vez maior, da validação do Judiciário às
políticas públicas. Nada estará fora do escrutínio do judicialismo. Até mesmo o
que não deveria ser judicializado. Novos tempos já estão em vigência e não
poderão ser mudados nem sequer pelas eleições de 2018. Caberá ao Supremo
Tribunal Federal conter excessos e, minimamente, tentar restabelecer o império
da lei, ora ameaçado por um ativismo muitas vezes desenfreado.
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Murillo de Aragão é advogado, consultor, cientista
político, doutor em sociologia (UNB) e professor na Columbia University
Juiz representa quem ??? a representatividade do cidadão perde com a judicialização.. a greve dos caminhoneiros mostra que os sem representação reagem com violencia a negação dos seus direitos...não é uma situação estável...
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