Plutarco, em
seu livro sobre a Vida Ilustre dos nobres gregos e romanos,discorresobre
Demóstenes e Cícero, ressaltando o uso da oratória, em que o significado das
palavras ganha imediatamente uma conotação política no espaço público. Trata-se
não apenas do sucesso individual de cada ator, mas de como seu discurso impacta
a vida coletiva. Estamos, hoje, por demais acostumados com palavras que apenas
procuram enganar o próximo, encantando a multidão através da conquista dos
votos, como se a existência do próprio Estado não estivesse em questão.
Para
Plutarco, a verdadeira oratória seria aquela ancorada no bem público, sem o que
o próprio discurso político cairia no vazio. O bem coletivo balizaria os
discursos de todos, sendo uma espécie de limite, para além do qual o próprio
espaço público poderia ser inviabilizado. A política, em sua acepção nobre,
seria uma atividade orientada para o bem da República, de modo que a oratória
não deveria se transmutar em uma demagogia cuja característica principal seria
o proveito próprio de uma facção ou de interesses meramente particulares.
Surge aqui
com nitidez que a oratória e a política em geral deveriam ser moralmente
orientadas, na medida em que têm como limite o bem público. A política inscrita
no Estado, tal como se estrutura segundo os seus valores e princípios, se
ancora em valores de justiça, retidão e bem comum. Daí não se segue, porém, que
a política se faria em um reino de anjos, mas em um espaço caracterizado pela
violência, pela intriga e pela traição. Eis o seu campo específico. Seria,
pois, através da política voltada para os valores, orientada segundo o bem do Estado,
que as intrigas e a violência poderiam ser superadas. Por outro lado, a ação
oratória que se compraz consigo mesma, sem parâmetros coletivos e morais,
soçobraria no pântano que poderia comprometer o próprio Estado.
Atualmente,
uma forma de comprometimento da própria existência do Estado consiste na
insolvência fiscal, na inflação e em dívidas públicas crescentes. A retórica,
no entanto, para os atores políticos mais irresponsáveis, reside em ocultar
estes problemas como se fossem secundários ou pusessem em causasupostos
direitos, resultados que seriam de uma política “liberal”. Ora, sem um Estado
saudável, solvente e responsável, não há direitos que possam ser assegurados.
Compromete-se a própria existência do Estado quando a política perde o seu
norte.
Não se pode
abordar o processo econômico como se fosse um fenômeno de tipo natural,
independente de decisões que o presidem. Isto implicaria não atentar ao fato
deque a organização ou desorganização das finanças e do equilíbrio ou desequilíbrio
fiscal resultam de escolhas políticas, equivocadas ou não. Julgar que uma
economia desorganizada, enfrentando sérios problemas fiscais e de dívida
pública, poderia deslanchar por mero ato milagroso de crescimento, ignora o
fato crucial de que tal desorganização é, ela mesma, fruto de decisões
políticas equivocadas, que, por sua vez, só podem ser corrigidas por outras
decisões, desta vez acertadas. Processos econômicos são cortados por decisões
políticas que põem em cena uma outra ordem de fenômenos.
O problema
propriamente político de uma Reforma da Previdência ou da dívida pública
reside, também, em como uma decisão responde a eleitores presentes que escolhem
em lugar de cidadãos ausentes, menores ou não nascidos, que deverão, no futuro,
arcar com as consequências da decisão. No sistema previdenciário brasileiro de
repartição em que os trabalhadores da ativa pagam pelos aposentados, a questão
entre gerações é colocada com acuidade.
De um lado,
no presente, a disputa se faz entre diferentes atores que comparecem à
discussão, sobretudo os que possuem privilégios que desejam ver
conservados. Neste caso, são os
diferentes estamentosestatais que usufruem de benefícios inacessíveis aos
outros setores da população, que terminam, paradoxalmente, por pagar por eles.
Os privilégios, sabemos, adotam várias formas como 60 dias de férias,
adicionais dessas muito superiores aos que são concedidos aos trabalhadores
normais, auxílio-moradia, aposentadoria integral e assim por diante. Contudo, estes estamentos estatais
conseguiram, pela retórica, vender a ideia de que a Reforma da Previdência
afetaria os direitos dos trabalhadores em geral, quando, na verdade, são eles
sustentados por esses, que não gozam de tais benefícios. O bolo orçamentário é
um. Se alguns têm uma fatia menor, é por que outros possuem fatias maiores.
De outro
lado, temos uma disputa que perpassa gerações, em que atores presentes decidem
por cidadãos futuros. A política ganha, assim, um contorno geracional, que foge
de contendas que se decidem agora. Se, no presente, privilegiados ou não
pretendem se aposentar com menos de 65 anos por exemplo, com uma expectativa de
vida que pode chegar a mais de 20 anos, alguém pagará por esta diferença. O
bolo estaria sendo todo comido no dia de hoje, não restando amanhã para os que
deverão pagar esta conta. A política egoísta ganha aqui um outro contorno na
medida em que os presentes querem tudo apropriar para si, nada deixando para os
que virão. E, frise-se, que os que virão não apenas deverão responsabilizar-se
por decisões anteriores, como não mais terão condições de usufruir de nenhum
tipo de Estado previdenciário. Se todos atualmente pagassem e trabalhassem mais
por mais tempo, tornar-se-iam responsáveis, no presente, por suas próprias ações,
não comprometendo as gerações vindouras.
As primeiras
declarações desencontradas do governo eleito sinalizam, agora, para um pleno
reconhecimento do problema previdenciário. Estamos diante de umaquestãode bem
coletivo. O Brasil não pode ficar refém de disputas intestinas ou de oposições
que podem comprometer o próprio futuro. Não há mais espaço para demagogias
irresponsáveisque ameaçam a existência mesma do Estado.
Muitos já optaram por ser "contra", o próximo governo. Ou seja nada será bom na visão doente. Creio tratar-se de desvio de conduta..
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