Ex-presidente mais popular da história desde Getúlio Vargas,
protagonista nato, líder desde a primeira mamada, Lula deixou a sala de
audiências da 13ª Vara de Curitiba como um pobre-diabo indefeso. Incapaz de
enxergar o que se passava sob suas barbas, alegara ter tomado conhecimento das
obras no sítio por meio do noticiário. Representante do Ministério Público quis
saber por que não cogitou procurar os executores da obra —Odebrecht, OAS e o
pecuarista José Carlos Bumlai— para realizar o pagamento.
“A chácara não é minha”, escorregou Lula. “As obras não
foram feitas pra mim. Portanto, eu não tinha que pagar, porque achei que o dono
do sítio tinha pago”, desconversou noutro trecho.
O procurador lembrou que Fernando Bittar, o suposto
proprietário, dissera em depoimento na semana passada que não levara a mão ao
bolso por imaginar que Lula e sua mulher Marisa Letícia, como beneficiários,
pagariam pelos confortos. Instado a se explicar, Lula complicou-se: “Ele fala e
você quer que eu explique?”
O procurador insistiu em oferecer ao interrogado uma
chance de defesa. Lula desperdiçou: “Se ele falou que não pagou, achando que a
Marisa tinha pago, eu não tenho mais como perguntar (a ex-primeira-dama Marisa
Letícia morreu em fevereiro do ano passado).”
Espremendo-se o que Lula alegou durante o depoimento,
chega-se a um enredo que, por inacreditável, seria refugado até como roteiro de
telenovela. Nele, a família Lula da Silva se apropria de um sítio alheio. Os
maiores empreiteiros do país reformam a propriedade. Dizem ter bancado o
upgradecom verbas sujas, em retribuição a facilidades obtidas no governo Lula.
O escândalo ganha o noticiário. Nas esquinas e nos botecos, não se fala em
outra coisa. Mas o beneficiário dos mimos jura que nunca tratou do tema.
Viva, Marisa Letícia foi pendurada nas manchetes como
responsável pelos primeiros pedidos de reforma do sítio. Mas Lula assegura que
não conversou sobre a encrenca nem na alcova. Tampouco perguntou para Bumlai
quem pagou pelas obras. Jamais tratou do assunto com Bittar, o hipotético
proprietário do sítio. “Não sou daquele tipo de cidadão que entra na casa dos
outros e vai abrindo a geladeira. O cara tem a propriedade, o cara me empresta
a propriedade. Eu vou ficar perguntando: ‘O que foi que você fez?.”
Lula declarou que também não lhe passou pela cabeça tocar
o telefone para o amigo Emílio Odebrecht. “Por que eu tinha que falar com o
Emílio?” Espantou-se não com a generosidade de Léo ‘OAS’ Pinheiro, mas com sua
incúria. “O que eu acho grave que você deveria perguntar é porque o Léo não
cobrou! Porque o Léo não cobrou? O cara que tem que receber é o cara que vai
todo santo dia cobrar. O cara que tem que pagar, se puder nem passa perto.”
O procurador que o inquiria não passou recibo.
Pacientemente, refrigerou a memória de Lula. Disse que o sócio da OAS não lhe
apresentara a fatura dos melhoramentos que promoveu no sítio porque já se
considerava pago e satisfeito com as contrapartidas que amealhara em negócios
firmados com a Petrobras em governos petistas.
Lula cobrou várias vezes durante o interrogatório a
exibição de provas que atestassem que ele seria o proprietário do sítio. Foi
informado de que, neste processo, a questão da propriedade do imóvel não é
crucial. O que está em causa é a corrupção e a lavagem de dinheiro estampadas
nas obras feitas em seu benefício com dinheiro saqueado do Estado.
Logo na abertura da sessão, Lula sinalizara a intenção de
conturbar. A juíza perguntou-lhe se estava ciente das acusações que pesavam
contra ele. Lula disse que não. Corrupção e lavagem de dinheiro, disse a
substituta de Sergio Moro, resumindo o conteúdo dos autos num parágrafo. Lula
tentou fazer pose de João sem braço: “Não, não, não, não. Eu imagino que a
acusação que pesava sobre mim é que eu era dono de um sítio em Atibaia.”
A juíza Gabriela Hardt reiterou o que abara de dizer.
Lula voltou à carga: “Doutora, eu só queria perguntar, para o meu
esclarecimento, porque eu estou disposto a responder toda e qualquer pergunta:
eu sou dono do sítio ou não?” Ao farejar as intenções do interrogado, a
magistrada apressou-se puxas as rédeas:
“Senhor ex-presidente, isso é um interrogatório. Se o
senhor começar neste tom comigo a gente vai ter problema. Então, vamos começar
de novo: Eu sou a juíza do caso, eu vou fazer as perguntas que eu preciso para
que o caso seja esclarecido, para que eu possa sentenciá-lo ou algum colega
possa sentenciá-lo. Então, num primeiro momento, eu quero dizer que o senhor
tem todo o direito de ficar em silêncio. Mas, neste momento, eu conduzo o ato.”
Na última metade da sessão, Lula voltaria a carga: “Eu
vim aqui pensando que vocês iam me desmoralizar, pegar uma escritura, mostrar
que eu paguei, que eu recebi (a escritura do sítio). Vocês não fizeram nada
disso”.Puxa daqui, estica dalo, o representante da Procuradoria ofereceu corda
para que o réu enforcasse seus advogados. “Se o senhor não sabe qual é o objeto
da ação, é um problema da defesa técnica do senhor. Se o senhor se sentir
indefeso, pode chamar a Defensoria Pública.”
No ápice do interrogatório, o procurador aplicou em Lula
algo muito parecido com um xeque-mate: “No caso do tríplex, o senhor alegava
que as obras de melhorias do apartamento não foram para o senhor sob o
argumento de que o senhor nem ia lá. Agora, o senhor constantemente estava no
sítio, mantinha lá bens pessoais de toda ordem e os empresários alegam que a
obra era para o senhor. Eu gostaria do senhor qual é a explicação que o senhor
tem para isso, senhor ex-presidente?”
Lula tentou desconversar. Seu advogado, Cristiano Zanin,
interveio. Houve um princípio de barraco. E Lula cavou um intervalo
providencial. Pediu para ir ao banheiro. Ao retornar, ouviu o procurador
repetir a mesma pergunta. A flacidez da resposta potencilizou a impressão de
que o réu estava mesmo indefeso.
“Eu vou dar a explicação. Primeiro do tríplex: o tríplex
não era, não é e não será (meu). A história vai mostrar o que aconteceu nesse
processo. Segundo, o sítio: Eu vou lá porque o dono do sítio me autorizou a ir
lá. Tá? Que bens pessoais que eu tinha no sítio? Cueca, roupa de dormir, isso
eu tenho em qualquer lugar que eu vou. E nenhum empresário pode afirmar que o
sítio é meu se ele não for meu”
“Mas eles afirmaram que fizeram obras para o senhor”,
voltou à carga o procurador. Lula perdeu a linha: “Ah, meu Deus do céu, sem eu
pedir. Você não acha muito engraçado alguém fazer uma obra que eu não ped? E
depois alguém negociar uma delação sob a pressão de que é preciso citar o Lula.
E vocês colocam isso como se fosse uma verdade! …Eu repudio qualquer tentativa
de qualquer pessoa dizer que foi feito uma obra para mim naquele sítio. Porque
se o Fernando Bittar amanhã vender o sítio…”
Nesse ponto, o procurador esclareceu que, mantida sua
linha de defesa, Lula não enxergaria senão pus no fim do túnel. Explicou que
não a condenação independe de um pedido formal para a realização das obras
ilegais: “O senhor pode alegar que não pediu. Mas o crime de corrupção tem a
modalidade receber.”
O depoimento desta quarta foi o terceiro que Lula prestou
à Justiça Federal em Curitiba. No caso do tríplex, foi condenado em primeira e
segunda instância. Cumpre pena de 12 anos e um mês de cadeia. O processo sobre
a compra de um apartamento e de um terreno que seria usado para abrigar o
Instituto Lula aguarda uma sentença da juíza Gabriela Hardt. E o caso do sítio
entrou na fila na forma de uma condenação esperando para acontecer.
Para desassossego de Lula, seu drama vai virando parte da
paisagem. A multidão que o prestigiou nos dois primeiros depoimentos de
Curitiba ficou em casa. A vigília nos arredores da Superintendência da PF, onde
está preso, minguou. Dessa vez, poucos apoiadores faziam barulho nas ruas de
Curitiba. Nas proximidades do fórum, não houve bloqueio de ruas nem fechamento
de lojas. O aparato de segurança sofreu lipoaspiração.
Lula coleciona façanhas políticas que poderiam tê-lo
guindado à condição de estátua. Mas até os seus apoiadores parecem recusar o
papel de testemunhas de uma fase em que o grande ídolo, autoconvertido em
pardal de si mesmo, suja com depoimentos desconexos a própria testa de bronze.
No seu primeiro encontro com a juíza substituta, Lula
percebeu que seu futuro penal está agora nas mãos de uma versão feminina de
Sergio Moro. Constatou os rigores da autora de suas futuras sentenças inclusive
no instante em que ela o repreendeu por tentar grudar em Moro a pecha de
''amigo'' do delator Alberto Rousseff.
Lularápio encontra-se finalmente com seu destino. Tal como Saddam Hussein em seu julgamento, vocifera e esbraveja com a Juíza, que já sinalizou ouví-lo protocolarmente, dado que a profusão de provas leva somente a um resultado: a condenação. Pego em seus delírios popularescos e soberba que o tornaria imbatível, espuma de raiva por ser condenado por migalhas: tanto fez, tanto mentiu e tanto roubou e deve remoer-se por ter sido pego , apesar de ter engendrado tão perfeito plano. "Como sou condenado por essa miséria de Triplex, um terreninho e um sítiozinho de m... ?", deve perguntar-se diuturnamente... E seguirá para a segunda, a terceira... talvez até a sétima condenação. Arrogante e cínico, continuará perguntando: "Cadê as provas", com a convicção de quem sabe que lavagem de dinheiro é exatamente a ocultação de patrimônio, mas que mentir é a única esperança para manter a militância ativa e a aura de ser mais honesto do mundo que o torna santo para cúmplices, idiotas úteis e pobres iludidos.
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