Artigo, Alexandre Schwartsman, Jornal do Comércio, Porto Alegre - O que deteve a indústria?
Apesar de o
crescimento do PIB no ano passado ter ficado provavelmente um pouco acima do
registrado no anterior, o desempenho da indústria piorou: em 2017, a produção
da indústria de transformação crescera 2,2%; em 2018, apenas 1,1%. Trata-se de
um resultado decepcionante e, além disso, surpreendente à luz de outros
indicadores. As vendas no varejo, por exemplo, cujos números finais serão
divulgados na próxima semana, devem ter crescido ao redor de 5,5% no ano
passado (já descontada a inflação), ritmo que, sem ser extraordinário, não
apenas é razoável como representa aceleração modesta na comparação com 2017
(quando aumentaram 4%). Já os dados de contas nacionais, a despeito da
defasagem de divulgação (referentes ao terceiro trimestre de 2018), também
mostram aceleração da demanda interna, tanto do consumo quanto do investimento,
até um pouco mais forte neste último. A vilã tampouco parece ter sido a greve
dos caminhoneiros. Embora tenha causado forte queda da produção daquele mês,
nos meses imediatamente posteriores observamos a recuperação dos níveis
registrados antes do evento, sugerindo que se tratou de fenômeno transitório,
portanto insuficiente para explicar a perda de fôlego do setor, que se
manifestou de maneira mais clara na segunda metade do ano. Ocorre que, ao
contrário do conjunto da economia, bastante fechada ao comércio internacional
(exportações e importações equivalem cada uma a cerca de 13% do PIB), o setor
industrial é mais sensível aos fluxos de comércio. As exportações, por exemplo,
de produtos manufaturados equivalem a cerca de 40% do PIB da indústria de
transformação, sugerindo que suas alterações podem ter efeitos maiores no setor
do que no caso da economia como um todo. Em particular, as exportações para a
Argentina, destino de algo como 20% das vendas brasileiras de manufaturados,
têm flutuado há anos no intervalo de 6% a 8% do PIB da indústria de
transformação, atingindo sua maior participação, 8,3%, precisamente no segundo
trimestre do ano passado. De lá para cá, contudo, o quadro mudou drasticamente.
Com a recessão que assola o país vizinho, houve queda próxima a 30% das
importações argentinas, de US$ 6,2 bilhões em maio para US$ 4,3 bilhões em
dezembro. No mesmo período, medidas em dólares, as exportações brasileiras para
lá caíram 47%. Convertendo para a nossa moeda e ajustando à inflação (e ao
padrão sazonal), estimamos que o valor em reais das exportações de produtos
manufaturados para a Argentina caiu 42% entre o segundo e o último trimestre de
2018. Ponderado pelo seu peso no PIB do setor, o impacto dessa queda implicaria
redução da ordem de 3% no valor adicionado pela indústria. Posto de outra
forma, enquanto a demanda interna impulsionou a produção local, a redução das
exportações para a Argentina teve efeito oposto. O resultado final foi a
virtual estagnação da produção manufatureira na segunda metade de 2018, o que
trouxe a taxa de crescimento em 12 meses da produção de 3,5% a 4,0% em meados
do ano passado para os referidos 1,1%. Houve, portanto, queda significativa da
demanda externa, com impacto mais agudo sobre a indústria. Assim, a demanda
interna pode acelerar para compensar, o que significa, na prática, um período
mais longo de estabilidade da taxa de juros, no mínimo até o fim de 2019. Como
se vê, a dinâmica da indústria depende de muito mais do que da mítica
"taxa de câmbio de equilíbrio industrial". Consultor, ex-diretor do
Banco Central (2003-2006). É doutor pela Universidade da Califórnia em Berkeley
- Jornal do Comércio
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