Revelada pelo Estadão, a presença da “dama do tráfico amazonense”, Luciane Barbosa Farias, mulher de um dos líderes do Comando Vermelho, em reuniões no Ministério da Justiça e Segurança Pública explicita não apenas um sério descuido na triagem de quem tem acesso à administração federal, mas desvela uma realidade ainda mais grave e perigosa: os esforços do crime organizado em se aproximar da política e interferir nela; numa palavra, em fazer política.
Condenada em segunda instância a 10 anos de prisão – e recorrendo em liberdade –, Luciane Barbosa Farias apresentou-se em Brasília como presidente de uma associação, criada no ano passado, para defender os direitos dos presos. Segundo a Polícia Civil do Amazonas, a entidade é financiada com dinheiro do tráfico de drogas, atuando em benefício de detentos ligados ao Comando Vermelho.
O Estadão apurou que Luciane Barbosa Farias costumava circular em Brasília com Janira Rocha, ex-deputada estadual do PSOL-RJ condenada em 2021 sob a acusação de “rachadinha” e que também teria relações com o Comando Vermelho. Segundo a polícia, foram encontrados recibos de transferências financeiras da facção para Janira Rocha, realizadas dias antes da primeira reunião no Ministério da Justiça.
Tudo isso suscita especial preocupação. O atrevimento do crime organizado tem produzido não apenas ações cada vez mais aterrorizantes, como as ocorridas no Rio de Janeiro no mês passado, com a queima de 35 ônibus. À luz do dia, os criminosos estão agindo para se aproximar do poder estatal e, assim, interferirem em políticas públicas.
Trata-se de um patamar inédito de risco para a população e as instituições. Não é mais apenas o desafio de o poder público combater a criminalidade, com cada um – Estado e bandido – atuando a partir de seus respectivos papéis. Está em curso uma tentativa de inversão de funções. Os grupos criminosos querem participar de reuniões no Ministério da Justiça. Ou seja, não é “apenas” a população que é atacada e se vê exposta aos riscos da ação dos criminosos. Eles querem minar e subverter as próprias instituições que têm o dever de enfrentá-los.
Talvez nada disso seja completamente novo. A política sempre teve um pé no crime, especialmente em algumas regiões do País. No entanto, o que assusta no fenômeno atual são os novos patamares de ousadia das facções criminosas e de tolerância das autoridades. Está ficando cada vez mais difícil distinguir quem está do lado da lei e da população e quem é bandido. No governo passado, por exemplo, eram notórias as ligações de alguns de seus integrantes com milicianos.
Nesse cenário, há um dado que merece especial atenção. As facções criminosas vêm atuando politicamente sob o nome de entidades civis de fachada, em suposta defesa de causas sociais. Isso é um grave risco para o regime democrático. Sem saber, o poder público, que é o responsável por combater a criminalidade, pode estar contribuindo com os interesses de criminosos – o que seria inconstitucional e ilegal, além de evidente contrassenso. É necessário impedir que grupos criminosos se utilizem do Estado para suas ações.
Ao mesmo tempo, essa atuação das facções por meio de supostas ONGs pode colocar muitas entidades sérias sob uma nuvem de suspeita, levando a uma injusta criminalização de suas atividades. É preciso diferenciar o que é a necessária participação da sociedade na política civil e o que é atuação criminosa disfarçada de interesse social.
O problema, portanto, é muito mais sério do que eventual conivência de alguns integrantes do governo Lula com organizações criminosas, o que já seria extremamente grave e demanda investigação. As instituições republicanas estão sob ataque do poder do crime. Não só com bombas e explosivos, mas com uma arma ainda mais deletéria: as facções criminosas utilizam-se enganosamente dos caminhos democráticos de representação e de participação popular para impor suas pretensões. Não cabe tolerância com tamanha e descarada afronta à paz e à cidadania.
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