Já causa estranheza que um magistrado como o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, esteja empenhado numa campanha por uma regulação mais dura da internet, tarefa que cabe a legisladores eleitos. Mais inquietantes ainda são as mostras de que se cogita compensar a suposta lacuna na lei à base de voluntarismo.
Na mais recente delas, Moraes anunciou, na condição de presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a criação de um "grupo de execução" para "o rastreamento daqueles que atentam contra democracia, que atentam contra a livre vontade dos eleitores, disseminando discurso de ódio, discursos antidemocráticos".
Trata-se, mais uma vez, do combate declarado a fake news, preconceito, intolerância e golpismo que proliferam nas redes sociais —no qual um problema complexo costuma suscitar soluções não apenas simplórias como temerárias.
Segundo o magistrado, a estratégia neste ano eleitoral unirá esforços do TSE, da Polícia Federal e de tribunais regionais para "avançar no sentido da prevenção e da repressão contra esses criminosos". A seu lado estava o novo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, até outro dia colega de STF e TSE.
As palavras de Moraes indicam escassa confiança na capacidade dos eleitores de escolher e interpretar o conteúdo que acessam na internet —o que reflete velhos cacoetes paternalistas da legislação e das cortes eleitorais brasileiras.
A isso se soma o risco de censura na pretensão de barrar mensagens que seriam produzidas de má-fé para manipular votantes incautos ou conspirar contra as instituições democráticas. Tais postagens circulam ao lado de outras que contêm equívocos não intencionais, teses controversas, crenças infundadas e críticas virulentas.
Não foram poucas as decisões arbitrárias do TSE no afã de tutelar conteúdos nas eleições de 2022. Num dos casos, ordenou-se a retirada de um vídeo que rememorava fatos conhecidos sobre corrupção em administrações petistas.
Na ocasião, o então magistrado Lewandowski argumentou que "o cidadão comum, o eleitor, não está preparado para receber esse tipo de desordem informacional".
Não se ignora que o alcance inaudito das redes sociais trouxe novos desafios à organização de eleições, que apenas começam a ser enfrentados. À Justiça cabe, sim, deliberar à luz da lei sobre o que é aceitável ou não nas campanhas e nas manifestações públicas.
Tal ofício, no entanto, deve ser exercido com autocontenção e atenção ao valor fundamental da liberdade de expressão, imprescindível numa democracia.
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