O que ainda causa espanto?
Depoimento de Palocci produziu um estrago definitivo na
imagem que é oferecida aos eleitores, a de um partido impoluto e um líder
incorruptível
Zuenir Ventura, O Globo
Foi uma semana para desafiar quem achava que já vira de
tudo, e para confirmar a tese de que no Brasil não houve surrealismo nem
realismo fantástico como movimentos literários porque eles existem na vida
real.
Apenas alguns exemplos. Teve o inacreditável vídeo dos R$
51 milhões contados por máquinas como numa cena na Casa da Moeda. O dinheiro
continha as impressões digitais de Geddel Vieira, aquele que há dois anos se
indignava na televisão: “Chega. Ninguém aguenta mais. Isso já deixou de ser
corrupção, é roubo”.
O candidato ao Prêmio Cara de Pau tinha razão. Como classificou
um procurador, ele é “um criminoso em série” .
Teve também o áudio em que o indecoroso Joesley, não
satisfeito em fazer intrigas e levantar suspeitas, alegando depois, como
defesa, ter sido uma “conversa de bêbados” com Ricardo Saud, também delator,
assassina a gramática: “nóis só vai entregar o Judiciário e o Executivo”.
A gravação serviu pelo menos para que o procurador-geral
decidisse consertar o inexplicável erro que cometeu no acordo que concedeu
tantas regalias indevidas, como imunidade penal, aos delatores da J&F.
A revogação dos benefícios seria feita ontem à tarde,
junto com um provável pedido de prisão ao ministro Edson Fachin, relator do
caso no STF
Em outro capítulo, igualmente inédito, teve o ministro
Marco Aurélio Mello, do STF, confes sando sua “inimizade capital” pelo colega
Gilmar Mendes, que, por sua vez, xingou o procurador-geral de “delinquente”
(Mello acrescentou que, se estivessem no século XVIII, os dois partiriam para
um duelo de vida ou morte).
Porém, o que mais causou espanto foi o depoimento de
Antonio Palocci ao juiz Sergio Moro, em especial o trecho que ele classificou
de “pacto de sangue” entre Lula e Emílio Odebrecht, envolvendo um presente
pessoal — um sítio (em Atibaia) — palestras a R$ 200 mil, fora impostos, e uma
reserva de R$ 300 milhões para atividades políticas nos anos seguintes ao fim
do mandato.
Sendo de quem foi, de um ex-homem de confiança dos
governos Lula e Dilma, o explosivo depoimento (cuja íntegra não cabe neste
espaço) produziu um estrago definitivo na imagem que é oferecida aos eleitores,
a de um partido impoluto e um líder incorruptível. Lula se disse decepcionado,
e pode-se imaginar o quanto, lembrando o que ele declarou não faz muito tempo:
“Palocci é meu amigo, uma das maiores inteligências políticas do país. Ele tá
trancafiado e se resolver falar tudo o que sabe pode, sim, prejudicar muita
gente. Mas não a mim. Não tenho nenhuma preocupação com delação dele” .
Desta vez não deu para atribuir as denúncias à
perseguição política ou à vingança dos “golpistas”. A flecha partiu de dentro,
de onde ele menos esperava.
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