Acho que como muitos brasileiros posso ser desculpado por
estar irritado com a política. O período eleitoral parece ter sido desenhado
para ser um desfile de platitudes, promessas e inconsistências. Mesmo
consciente desse cenário, minha irritação atingiu o ápice ao ler declarações de
um candidato de que nossas empresas estatais tiveram problemas porque “faltou
controle interno”.
Tive o privilégio de servir no Conselho de Administração
da Petrobrás entre 2013 e 2015. Quando assumi o cargo ainda não havia sido
deflagrada a Operação Lava Jato e quando saí a empresa reconhecia perdas de
mais que R$ 50 bilhões em seu balanço - que nem assim contou com meu voto favorável.
Ao assumir, a primeira coisa que chamou a minha atenção
foi a pletora de políticas e controles internos na companhia. Não havia uma só
atividade citada nos manuais de boas práticas de governança que não estivesse
documentada e controlada. Se há alguma coisa que não faltava na Petrobrás era
controle interno. Mas a Petrobrás só tinha boa governança para inglês ver. A
partir da gestão de José Sergio Gabrielli teve início um processo de desmonte
deliberado dos gatilhos de governança, na prática tornando inócuos os controles
existentes.
A companhia tinha um conselho de administração bovino.
Todos os membros indicados pelo governo votavam em uníssono a favor das
propostas do controlador. O comitê de auditoria, quando começou a fazer
perguntas incômodas, foi obliterado para ser mais cordial, eliminando os
independentes.
O modelo da diretoria executiva colegiada foi concebido
na gestão Reichstul, com o objetivo de impedir a criação de feudos na
companhia. Numa empresa de complexidade crescente, a instrução das matérias era
de extrema importância. Para tanto existiam os chamados comitês de negócios,
compostos por gerentes executivos de todas as diretorias relevantes. Assim, se
eu sou o diretor da área A, posso votar o assunto da área B porque ele terá
sido examinado por um grupo de executivos experientes, inclusive da minha área.
Um dos primeiros passos da destruição da governança da
Petrobrás foi a eliminação prática desses comitês. Como consequência, os
diretores começaram a aprovar as matérias dos seus colegas na base da
confiança, criando de fato os feudos que o desenho da governança tentava
impedir.
Quando entendi o sistema indaguei a um diretor como ele
aprovava matérias dos seus colegas em valores bilionários sem se aprofundar nos
temas. Ele respondeu: “Conselheiro, esta empresa investe 300 milhões de dólares
por dia… Se formos olhar cada matéria em detalhe, vamos paralisar a companhia”.
Paralisado fiquei eu. As atas da diretoria eram desprovidas de registros úteis
para evidenciar qualquer debate relevante.
Outra ação proposital dizia respeito à política de
alçadas. O estatuto da Petrobrás estabelecia que os limites de alçada deveriam
ser determinados anualmente pelo conselho. Logo ao assumir verifiquei que a
última deliberação a respeito havia sido dez anos antes!
O estatuto mandava determinar anualmente os valores dos
incisos relevantes, “especialmente” cinco deles . Não constava na lista do
“especialmente” o inciso que tratava de transações com partes relacionadas. E a
administração considerava que, como não estavam na lista do “especialmente”,
não havia necessidade de determinar limites! Em outras palavras, para
incorporar uma subsidiária inoperante (e, portanto, imaterial), convocava-se o
conselho. Mas para o leilão de Libra, que envolvia investimentos de bilhões, o
conselho não era chamado.
No desenho da política de alçadas, estabeleceram valores para
quase todas as linhas, exceto aquelas incluídas no Plano de Negócios e
Gestão (PNG). Esse plano era apresentado anualmente ao conselho, após um belo
PowerPoint. Como resultado, aprovava-se um plano de investimentos de US$ 50
bilhões por ano. E a diretoria ainda tinha o poder de remanejar verbas. Isto é,
tratava-se de um cheque em branco de US$ 50 bilhões para a diretoria - e a
partir desse momento o conselho não tinha mais ingerência alguma sobre a
alocação de capital.
Tampouco era possível ao conselho enxergar os desastres
que se avizinhavam nos grandes investimentos. Não havia reportes do seu
andamento ao conselho. Apenas no final de 2014, depois de muito esforço, o
conselho recebeu pela primeira vez um book sobre o andamento físico-financeiro
dos investimentos. Mas aí já era tarde demais...
A lista de problemas continua, e seguramente não caberia
neste espaço. Sempre com a mesma temática: controles formalmente existentes,
mas operados de maneira proposital para não serem eficientes. Um líder sindical
comandando a área de recursos humanos, desenhando acordos que produziam perdas
bilionárias na justiça. Um ouvidor-geral que fora assessor de um importante
ministro (hoje condenado pela Justiça), assegurando que nenhum funcionário
teria coragem de utilizar o canal para fazer uma denúncia sobre corrupção.
Relatórios internos que demonstravam a inviabilidade de alguns investimentos,
ignorados. Demonstrações contábeis mentirosas feitas com a cumplicidade de quem
deveria zelar por sua integridade. Cegueira deliberada em todas as áreas.
Fiz menção a esses problemas em depoimento à CPI da
Petrobrás, em 2015. Alguns dos assuntos dormitam nos procedimentos internos do
Tribunal de Contas da União e da Comissão de Valores Mobiliários, sem que tenha
havido responsabilização adequada até hoje.
Por tudo isso, sr. candidato, é importante que se diga
que não faltaram controles internos à Petrobrás. Eles existiam e foram
deliberadamente desmontados pelas lideranças de então. Ignorar esse fato é
má-fé - ou praticamente confessar que, na hipótese de retorno daquelas
lideranças, o pesadelo voltará.
*FOI MEMBRO DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA PETROBRÁS DE
ABRIL DE 2013 A ABRIL DE 2015
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